“Nunca deixe de lembrar” – há muito o que não esquecer!

“Nunca deixe de lembrar” é o nome do filme dirigido por Florian Henckel von Donnersmarck (Alemanha, 2018) que vi casualmente na TV há cerca de dois meses, e revi estes dias com a família. Se tiverem como, não deixem de vê-lo, ainda está passando em vários canais fechados. Vale demais cada minuto das pouco mais de três horas de duração. Apesar de longo, é envolvente, riquíssimo de conteúdo, temas que se entrelaçam e nos prendem, nos arrebatam, nos comovem e nos fazem refletir sobre o momento atual que vivemos no Brasil e no mundo.

O tema central é a trajetória de um artista alemão em busca do sentido da arte, personagem inspirado na história real do pintor Gerhard Richter. A trama se inicia durante o clímax do nazismo, na segunda metade da década de 1930, e vai até a consagração do ainda jovem pintor, mais de trinta anos depois, a Alemanha então dividida, o Muro de Berlim materialização mor da divisão.

O tema central da busca do sentido da arte não é ofuscado pelo vigor das muitas tramas entremeadas que se desenrolam: o nazismo e suas vítimas, a hipocrisia dos tiranos, as razões pessoais que implicam decisões de alcance social, a “banalidade do mal” legalizado sob um regime desumano, a recuperação da Alemanha destruída e dividida, o poder de transformação e cura do amor verdadeiro de um jovem casal penalizado pelas atrocidades do nazismo e da guerra...

O que mais impressiona é que a trama mostrada no filme encontra nítido paralelo com os dias atuais. Um dos personagens principais é um médico responsável por enviar para os campos de extermínio nazistas as pessoas consideradas “defeituosas”, em nome da purificação da raça. Entre os “defeituosos”, os artistas que tinham tido a revelação da transcendente dimensão da arte, e por tal epifania foram considerados anomalias a serem exterminadas. O médico exterminador esconde suas atrocidades atrás de uma máscara de falsa respeitabilidade, a qual não conseguimos deixar de ver também em muitos dos líderes atuais no mundo, principalmente no Brasil.

Talvez os maiores méritos do filme sejam mesmo estes: o entremear de temas tão subjetivos quanto a arte e o amor e tão concretos quanto os regimes de governo atrozes e os monstros que os lideram; a essencialidade de lembrar, preservar a memória racional e a afetiva, elas têm um espantoso (e temido) poder de criação e de transformação.

É um filme que humaniza, algo que precisamos muito nestes tempos bicudos em que, como na Alemanha nazista de 1935, a loucura, a crueldade e a ignorância vêm disfarçadas de esperançosa novidade.