Resenha do filme Nomadland

Não existe negócio mais vantajoso do que emprestar dinheiro que não é seu e cobrar juros por isso. E é exatamente o que os bancos fazem conosco todos os dias. Só que emprestar dinheiro é um risco para os bancos justamente pelo calote que podem receber. E quem gosta de receber calote, né, não? Os bancos não gostam. Por isso, inventaram um jeitinho de lucrar com os empréstimos sem receber calote. Qual? Vender os títulos da dívida para investidores com o olho bem grandão no lucro futuro. E pensa que são dois ou três investidores? Nananinão. São dezenas, centenas e milhares. Todos dispostos a financiar a dívida dos bancos. Que doidera!

Só que as pessoas precisam sentir firmeza nesses títulos. E o que pode dar essa segurança aos investidores? Ora, justamente algo que não quebrasse ou declarasse falência da noite para o dia. E o que é mais seguro nesse mundo? O quê? O quê? Algo palpável como uma casa. Afinal, uma casa não pode quebrar, não? E foi aí que os bancos promoveram o financiamento destes imóveis. A princípio para quem pode pagar, classes A e B. Depois, para quem não pode pagar, qualquer um, com renda, sem renda, pobre, rico ou não. A eles deram o nome de “subprime”. Ora, afinal, quem em sã consciência financiaria um imóvel para alguém que não pode pagar? Os bancos, óbvio! Mas, por quê? Porque ao fazê-lo, os títulos, conhecidos como CDOs, disparavam no mercado financeiro e os investidores abririam um sorriso de orelha a orelha. Afinal, quem não ficaria contente em saber que o seu título comprado no banco estava lhe rendendo lucros absurdos. Todos, obviamente!

Só que quem financiava os imóveis não tinham condições de pagar o financiamento. Quem poderia pagar com juros tão altos, né? Para continuar a ciranda dos CDOs e os investidores lucrando horrores, ofereciam aos devedores refinanciar os imóveis e, assim, aumentar mais ainda a dívida com os bancos. Porém, sempre tem um porém, não há um número ILIMITADO de pessoas dispostas a financiar imóveis. Não há um número ILIMITADO de pessoas dispostas a continuar comprando títulos. Que aconteceu? O valor dos imóveis despencou. E despencou tudo ao redor: megabancos, bancos, investidores e os pobres coitados que financiavam as casas, atraídos pela facilidade dos financiamentos.

E foi assim que Fern, a personagem principal do filme Nomadland, tornou-se uma nômade sem teto. Pulando de cidade em cidade dirigindo um veículo precário atrás de um emprego temporário e sazonal. Assim como Fern, milhares de outros nômades se encontravam nas estradas e todos com as mesmas histórias de vida. Todos atraídos pela promessa do capitalismo. Qual? A de que o INDIVÍDUO pode ser o PROTAGONISTA da sua vida se lutar muito ou trabalhar duro. Uma promessa, obviamente, que não é para todos. E se o INDIVÍDUO não conseguir atender a expectativa da IDEOLOGIA é considerado um “sem teto”, um “fracassado”, um “zero à esquerda”. Nomadland ensina de forma descritiva e didática a respeito da falência do capitalismo. E ensina também sobre a falsa ilusão de que os INDIVÍDUOS são protagonistas da própria vida. Não são. Em um momento, a irmã de Fern, pergunta: “Por que você não volta para casa?”. Fern poderia voltar, mas já era tarde demais. Ao voltar, Fern declararia a todos que deixaria de ser um INDIVÍDUO protagonista da própria história. Alguém que fracassou perante o sistema. O dilema de Fern é o dilema de milhares de pessoas que ainda não entenderam essa manipulação diária a que estamos submetidos.