Desmond Morris mata Darwin

Uma análise filogenética do percurso da espécie Homo sapiens sapiens antes mesmo de se especiar tanto. Um desnudamento total e completo do “ser humano” intelectual e conscientemente articulado, transformando-o em um animal como outro qualquer, totalmente manipulado pelas pressões do meio e variações genéticas. Fazer esse quadro é a proposta do biólogo inglês Desmond Morris através do livro O Macaco Nu publicado no Brasil em 2006 pela Editora Record.

Uma proposta interessante e que socialmente daria uma boa discussão e como toda boa arte e toda ciência bem feita, o tema teria mil controversas. No livro, Morris propõe-se, através de ensaios compridos, a mostrar o homem não como um ser avançado e superior, ao contrário, a idéia é colocar o homem como um ser instintivo, animal da terra.

O autor passa por temas que vão desde as nossas origens até as relações com outros animais. Ele faz comparações com outros comportamentos e discute como nossas pequenas peripécias cotidianas chegaram a ser o que são através da nossa história na Terra. E Morris nos traz peripécias interessantes e instigantes a respeito de nós mesmos.

O fato de sermos carnívoros, parcialmente ou não, traz ao nosso corpo maior resistência a longos períodos sem alimento, mas também faz os nossos excrementos serem malcheirosos e mais danosos à nossa saúde – trazendo um grave problema social. Além de trazer a tona a nossa necessidade do carinho para o simples estimulo sexual e a consequente procriação.

É verdade, durante a cópula os carinhos cessam um pouco e a penetração até o orgasmo é o protagonista do ato. Além de um paralelo interessante entre nosso avanço territorial e social e a necessidade instintiva do mamífero de exploração e ampliação do espaço.

Como seria bom ver um zoólogo evolucionista tão experiente tratar desses assuntos sem qualquer pudor. Mas ao ler o livro, que não consegui terminar, uma pergunta me veio a mente: Seria Desmond Morris um evolucionista ou um criacionista? Ele é mesmo cientista?

Ele incrivelmente aceita a idéia de evolução e mutação das espécies ao longo do tempo, alias essa é a base dos seus ensaios. Mas a evolução de Morris é uma evolução muito inteligente e premeditada. Eu abri o livro querendo ver mesmo a história da nossa espécie e entender como tudo que passamos fez com que chegássemos ao que somos.

Mas não, acabei começando a ler um livro que trata da historia das espécies de maneira tão simplista e parcial que tornou-se chato. Ele não traz realmente o percurso da espécie como ser habitante de um planeta e vulnerável a qualquer variação deste.

Morris traz uma idéia de evolução linear, no sentido em que não houve erros nem exclusão de caracteres e genes. Mas uma evolução inteligente no sentido de que tudo foi previamente pensado e feito para que fôssemos exatamente assim.

“Se fosse importante que a fêmea da nossa espécie oferecesse sua região genital ao macho pelo lado traseiro, a seleção natural teria sem dúvida facilitado essa tendência (...)” este é um exemplo de uma passagem do livro, página 79, em que o autor coloca essa idéia de que a seleção natural nos moldou para sermos perfeitos, contrariando até mesmo a idéia primeira que temos do livro. A casualidade, tão bem defendida pelos senhores Charles Darwin e Alfred Wallace, é totalmente ignorada pelo biólogo. Foi isso que me levou a perguntar: estou lendo um livro evolucionista ou criacionista?

Os grandes cientistas não só sabem que a evolução é totalmente casual e lenta, como cada vez mais isso é estudado através da genética de populações, estudos biogeográficos e grandes acontecimentos geológicos que “moldam” as formas de vida deste planeta. O autor, bruscamente, ignora esses fatos.

E ignora mais, se é para ser um ensaio cientifico, mesmo que para leigos, como posso falar do percurso bio-histórico de uma espécie sem situar meus leitores no tempo e no espaço? Sim, eu precisaria citar os tempos geológicos e dissertar um pouco sobre os ambientes que essa espécie encontrou durante seu percurso.

E isso justificaria a nossa forma atual. Não simplesmente dizer que foi assim porque a natureza e a seleção natural, como uma grande divindade, quiseram nos tornar perfeitos. O autor me parece defender essa idéia de perfeição da nossa espécie.

Poderia ser um livro muito esclarecedor do que é evolução e como as espécies se modificam, mas tornou-se um livro chato, sem sustentação científica e ratificador da idéia do homem como animal superior. Um livro que balança entre o criacionismo cristalizado, no qual tudo tem seu exato por quê na biologia, e uma idéia de evolução linear.

Eu lembro-me que uma professora na faculdade sempre brincava respondendo “Por que Deus quis assim” quando perguntávamos o motivo de um sistema biológico ser como é. Uma brincadeira irônica, mas real porque o que Deus decide não se tem como discutir e também não cabe a nós perguntarmos muitos por quês, mas entender como esses sistemas funcionam e o que eles passaram para chegarem onde estão.

Entender como a natureza lida com o que tem e o percurso dessas espécies é o nosso papel de biólogo. Darwin fez isso, ele não se perguntou por que um animal ou planta tinham determinada forma, mas ele buscou em seu trabalho entender como essa forma possibilitava ao indivíduo uma relação saudável com o meio, e como o meio possibilitava diferentes formas.

Mas isolar uma espécie e dizer que a evolução a fez para ser assim é ignorar que as Ciências Biólogicas são ciências de fenômenos com ocorrências casuais, de tendências e não exatidões matemáticas, onde tudo acontece por que alguém quis criar uma espécie assim. Vamos nos ater aos problemas dos sistemas biológicos e entender como eles chegaram até aqui e como eles mudam.

O porquê desses questionamentos me soa muito filosófico e religioso. Acho que Morris esqueceu ser um cientista e tentou ser um Paulo Coelho.

Malluco Beleza
Enviado por Malluco Beleza em 03/12/2009
Código do texto: T1957937
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