"Joana a Contragosto", de Marcelo Mirisola, Editora Record, 2005

Conheci Marcelo Mirisola (doravante denominado por sua alcunha auto-infligida, “MM”, que o põe na companhia privilegiada de ícones como os homônimos chocolatinhos e Marisa Monte) num programa do STV, anos atrás. Encantei-me de cara com o discurso do desconhecido gordinho, um boquirroto com grande óculos fora-de-moda a emoldurar-lhe o rosto.

“Eu sou um escritor profissional. Eu não escrevo porque gosto, só, mas porque escolhi esta profissão, levo a sério. Acordo cedo, passeio meu cachorro, e vou pro meu escritório. Trabalho o dia todo, às vezes, para esmiuçar uma página. Mas só largo de noite. Por que não mereço receber por isso? Eu tenho direito a uma casa legal, um carro bacana, eu ao sou vagabundo, sou um profissional...”, vociferava o rapaz, gentil e educadamente pondo os pingos nos is daquela velha discussão sobre a Arte.

“Não sei mais o que fazer para vender livros. A crítica curte, fala bem, mas o povo não lê. Me falaram: bota mais sexo, eu botei. Tá cheio de sacanagem lá. Leiam meus livros...”, dizia, no mesmo tom sarcástico com que punha conselhos á uma mulher traída na boca de um personagem de “O Herói Devolvido” (Editora 34, 2000): ué, se ele te traiu, “pede um Honda Civic”, que desquite que nada!

Depois de mais alguns livros de contos, já autor “consagrado” (ou maldito?) e cronista conhecido e controverso, MM investe pesado na emoção. Emoção gauche, com o devido distanciamento (estranhamento?) crítico, mas ainda assim emoção. Seu caso de amor com Joana (“Joana a Contragosto, Editora Record, 2005) envolve o leitor da primeira à última página com sua bem humorada e nada auto-indulgente narração de uma ”ficada” que poderia virar amor. Acaba virando “só” mais um livro.

Por trás da aparente simplicidade da obra, esconde-se um autor maduro, que realiza uma aposta arriscada: o romance confessional, céu e inferno da nova geração de escritores brasileiros. Haja confissão, no entanto, para encher quase duzentas páginas. Não que o livro seja ruim - talvez seja o mais “redondinho” do outrora rotundo escrevinhador – nem que lhe faltem qualidades, apenas um pouquinho mais de vida. Mas é justamente no encontro da imaturidade dos personagens (o narrador incluído) que MM logra obter densidade e emoção. Seu relato é uma síntese entrópica, confusa como o pensamento dos apaixonados; descrição exemplar dos meandros pelos quais o “amor” é inventado pelos carentes da cidade grande, ou seja, qualquer um de nós.

Seus cacoetes, porém, já um tanto domados, estão todos lá: a vontade de “chocar” através dos palavrões onipresentes, das cruas descrições das cenas de sexo, do humor satírico. Mas nas entrelinhas observa-se um lirismo insuspeitado no narrador semi-pseudo-autobiográfico, capaz de revirar imagens ao avesso em busca de uma metáfora que lhe explicite os sentimentos.

“Joana a Contragosto” é isso, nem o melhor livro de MM, nem o pior: um passo adiante na literatura de um jovem ficcionista nem tão original quanto persistente. Bom de ler, “esperto” e fluido, não deve nada aos excelentes contos do autor.

Mirisola é isto: um escritor em ascensão, odiado por uns, amado por poucos, certamente menos conhecido do que deveria e superestimado além da conta. Uma voz que, se não é de todo original, busca surpreender a si próprio e ao leitor com sacadas que devem ser fruto, realmente, de muito trabalho. Hehe.

(minhas desculpas ao autor por citar partes de sua entrevista à STV de memória, com todos os riscos que isto inclui)

Renato van Wilpe Bach
Enviado por Renato van Wilpe Bach em 12/09/2006
Código do texto: T238735