Uma madame de Sade não tão perversa, mas deliciosa.

"Os florais perversos de Madame de Sade" chama a atenção, em primeiro lugar, por causa da proposta pouco comum dos três autores brasileiros de desenvolver um romance erótico, passado na França do século XVIII. Costumamos importar esse tipo de romance de autores estrangeiros e não produzi-lo. Ponto para eles.

Ao longo da leitura, fica claro que os autores levaram o projeto a sério: eles se apropriam de um importante momento histórico francês com absoluta segurança, criam uma personagem fictícia e costuram a sua história aos mais importantes personagens e eventos reais que marcaram a revolução francesa. A costura é tão hábil que, em muitos momentos, nos sentimos impelidos a procurar melhor para ver se, por um acaso, não achamos o nome de Madame Joséphine nos livros de História. E tudo isso, sutilmente envolvido em um aroma de Brasil. Um aroma discreto, muito bem fundamentado e marcante do início ao fim.

Joséphine é uma menina francesa de origem humilde, que tem como um de seus antepassados o índio tupinambá Poty. Os conhecimentos de botânica desse índio chegam até o pai de Joséphine, que trabalha como jardineiro nas propriedades do Marquês de Sade. A menina sempre foi deslumbrada pelo luxo que a cercava e, depois que perde a mãe por abuso da cruel patroa, a esposa de Sade, torna-se também revoltada e vingativa. Aos treze anos é iniciada pelo Marquês nos prazeres do sexo e da dor - e gosta do que sente. Os caminhos dos dois se afastam por um tempo e Joséphine começa a trajetória que vai culminar em sua consagração como uma das mais poderosas cortesãs da França: a Marquesa de Sade - o nome adotado é uma homenagem ao homem que a iniciou, uma provocação à mulher deste e uma marca do tipo de prazer que sua casa de tolerância oferece e que a faz famosa. Para alcançar seus objetivos, a perversa heroína faz uso de florais, preparados por ela mesma de acordo com conhecimentos que remontam à sua herança brasileira. Cada floral realça um dos pecados capitais e eles são os instrumentos de Joséphine para alcançar seus objetivos.

E nos objetivos de Joséphine está, para mim, o "calcanhar de Aquiles" do livro. A menina do início do livro, que se deixa seduzir pelo Marquês de Sade, é uma jovem mulher de instintos perversos, sem escrúpulos. Imaginei que, ao crescer e ganhar poder, Joséphine seguiria de perto os passos de Sade e nos chocaria, nos afrontaria. Mas não é o que acontece. E o que poderia ser uma personagem transgressora e amoral, mantém-se apenas como mais uma das cortesãs, egoístas, argutas e sacanas que povoam o universo dos bordéis. No fim, me peguei lembrando com saudades da "CLB", a despudorada senhora de "A casa dos budas ditosos", de João Ubaldo Ribeiro. No quesito amoralidade, "CLB" tem muito a ensinar à Joséphine.

No entanto, se "Os florais perversos de Madame de Sade" não atendeu às minhas exigências de transgressão e é mais "leve" do que eu esperava, ainda assim é um ótimo romance, feito com muito capricho. Está mais do que recomendado!

Ah E para quem se interessar, recomendo uma visita ao blog do jornalista Altino Machado, que publicou, em dezembro do ano passado, uma excelente entrevista com Ruth Barros, uma das autoras do livro.

http://altino.blogspot.com/2005/12/ruth-barros.html

Os florais perversos de Madame de Sade

Rocco (2005)

Ruth Barros, Marcos Gomes e Heloisa Campos

Ana Rodrigues
Enviado por Ana Rodrigues em 18/10/2006
Código do texto: T267759