“A Falência” de Júlia Lopes de Almeida

Júlia Lopes foi uma romancista que nasceu no Rio de Janeiro em 1862, vindo a falecer na mesma cidade em 1934. Foi uma escritora com grande produção de ficção e livros didáticos.

O romance intitulado “A falência” foi publicado antes de 1919 (não tenho a data precisa) e trata da vida cheia de futilidades de uma mulher chamada Camila, cujo marido, Francisco Teodoro, é um rico negociante do café. A família não conhece necessidades materiais vivendo na abastança, beirando ao desperdício.

Camila tem quatro filhos, o mais velho é o Mário, que vive um pouco apartado da família. Depois vem Ruth, que vive num mundo de fantasia musical e poética, depois vêm as gêmeas, Lia e Raquel, que são ainda crianças. Completa o núcleo familiar Noca, uma negra que faz tudo em casa e Nina, sobrinha de Camila, que vive de favor na casa, exercendo a função de uma governanta.

Camila tem um amante, o doutor Gervásio, caso que o marido nunca chega sequer a desconfiar, tratando o amante de sua mulher como amigo íntimo. Outro pretendente de Camila é o capitão Rino, que para não ter que disputar o amor da mulher, afasta-se para longe.

Camila tem uma origem modesta, morava com suas tias, no “Castelo”, estas são duas mulheres idosas, uma avara, psicótica por dinheiro e outra carola de igreja. Francisco acertou o casamento com as tias e Nina veio de brinde, para ajudar Camila nos afazeres.

Nina é apaixonada por Mário, mas este não hesita em abandonar a família para casar-se com Paquita, uma rica descendente de família abastada carioca.

Na verdade, Mário é arredio porque sabe do romance da mãe com Gervásio, não querendo encontrar-se com o médico, Mário age como um irresponsável, vivendo na rua com amantes que não têm o seu nível social e gastando o dinheiro do pai.

Francisco cobra mais responsabilidade do filho, mas este evita o confronto. A mãe também tenta evitar que o filho enfrente o pai, para que seu caso não venha à tona e uma tragédia aconteça.

Mas a tragédia acaba acontecendo, não em relação ao seu caso amoroso de mulher rica e fútil, mas sim com a falência do marido. Francisco Teodoro tem um negócio sólido de comércio de café, mas é seduzido pela especulação e entre com grandes somas de capital no jogo das bolsas, incentivado por certo Inocêncio Braga. O negócio não dá certo e Francisco vê seu negócio ir à falência, num período em que os preços do café ficaram em baixa. Tamanho fracasso é demais para Francisco que decide matar-se. Ele executa seu plano em casa, no seu escritório, e no preciso momento em que ia matar-se Camila apareceu, mas não conseguiu impedir a tragédia.

Falida e viúva, Camila cede ao comando de Nina e Noca, vê sua fortuna reduzida a uma casinha simples, que Francisco passara para o nome de Nina, devido aos seus serviços prestados à família. Diante da falência dos Teodoro, moça não hesita e ajuda Camila e as meninas abrigando-as na sua pequena casinha e, além disso, passando a propriedade às gêmeas.

Como era de se esperar Gervásio se afasta da família, não por que eles eram pobres agora, mas porque com a falência e a morte de Francisco não tinha mais clima para continuar o romance.

Depois de algum tempo a paixão reacendeu entre os dois, mas Mário chega da Europa e propõe que a mãe se case com Gervásio. A proposta faz sentindo, Camila propõe o casamento para o amante, mas este diz não poder casar-se por ser ainda ligado a uma mulher através de um casamento desfeito.

Neste momento, Camila cai na realidade e retorna para Noca e Nina que trabalham freneticamente para suster a família, ajudando-as e esquecendo-se de seu fausto passado.

O livro é desproporcionalmente dividido entre a época de fatura e a época de pobreza. A falência de fato só é anunciada no capítulo 18, levou mais dois capítulos até o suicídio, só a partir do capítulo 21 Camila vive sua vida de pobreza depois da falência.

As personagens melhor trabalhadas são as femininas. Camila, a mulher bastante moderna, é casada e tem um amante, é fútil, mas, apesar disso, encontra forças para enfrentar a pobreza. Uma personagem cheia de contradições que prejudicam a verossimilhança do romance. Ela tem 4 filhos, mas permanece bela e desejada pelos homens. Ela tem uma origem pobre e não tem acesso à educação, mas consegue viver na opulência como uma princesa inglesa, pois seu amante a educa para isso.

A filha mais velha de Camila, Ruth, aproxima-se da autora, é artista, vive no mundo da lua e é educada para ser musicista. Depois da falência, enfrenta as dificuldades com coragem, dando aula de música para que a família permaneça unida.

Nina, a sobrinha que é feita de empregada, é a personalidade mais positiva, que engole a seco a frustração de ser preterida por Mário, mas mesmo assim é o esteio da família no momento em que elas mais precisam.

Noca é a forte empregada, que tudo sabe e tudo prevê, com seus misticismos de mulher do povo, prevê a ruína da família e prepara os corações para os momentos de tempestades.

As personagens masculinas são desastrosas. Francisco Teodoro é um bronco, que enriqueceu devido aos bons ventos do café. Seu negócio funcionava não porque ele tinha bom tino comercial, mas porque café estava arrebentando e qualquer um com alguma massa cinzenta e muita vontade de trabalhar conseguiria fazer fortuna. Ele conseguiu, mas na hora de mostrar sua capacidade de negociar, fracassou miseravelmente investindo seus capitais no mercado de risco. Um comerciante astuto, como ele devia ser, sendo tão bem sucedido e estando já bastante vivido nos negócios, conseguiria safar-se da embrulhada em falência, mas Francisco Teodoro, alegando não ser mais jovem, não conseguir mais forças para o trabalho, com vergonha e medo de enfrentar a família, chega a pedir à Gervásio que vá contar para Camila sobre a falência, acaba tirando a própria vida. Deixando toda a família numa situação dificílima.

A longa traição da esposa com Gervásio, faz de Francisco Teodoro um perfeito idiota, pois é o único que não percebe que este é o amante de sua esposa e morre sem saber.

Gervásio é um pedante, arrogante,incapaz de livrar-se de sua antiga esposa, fica enrolando Camila, tentando não se comprometer. Dá pitacos na decoração da casa, na educação musical de Ruth. O seu horror de comprometer-se acaba por negar o casamento salvador para Camila. A história do casamento de Gervásio não bate, é inverossímil também, como ele consegue guardar a esposa em segredo tanto tempo, não há sinais casamento de Gervásio quando ele aparece só no romance. A história do seu casamento surge abruptamente no final do romance, para que ele negue o casamento com Camila. Acredito que a autora percebeu a dificuldade e colocou uma mulher misteriosa encontrando-se com Gervásio no final do passeio da família no navio do comandante Rino. Acho que ficaria melhor que a autora colocasse a história como uma mentira deslavada de Gervásio, o que ficaria mais de acordo com ele.

Mário também é patético. Inicialmente esboça-se algum caráter no rapaz, uma vez que ele se diz revoltado com a traição da mãe de forma tão gritante e o pai não faz nada. Cheguei a acreditar que Mário é que colocaria pimenta no romance, denunciando tudo, mas quando ele prefere Paquita e seu dinheiro e não uma vida de trabalho ao lado de Nina, Mário revela-se uma pessoa fraca, interessada apenas em dinheiro e aparências sociais. Imperdoável ele não ter vindo em socorro da família logo que soube da tragédia, em vez disso aparece só depois que a mãe e as irmãs já estão morando na casinha cedida por Nina. Aparece sem trazer ajuda pecuniária, pois “quem tem dinheiro é Paquita”, vem espicaçar a mãe, propondo que as gêmeas fiquem com sua sogra e propondo que a mãe se case com Gervásio.

Na fraqueza causada pelo turbilhão que se tornou sua vida, Camila aceita a proposta, mas ao cair em si com a recusa de Gervásio, volta para casa e manda trazer de volta suas filhas.

A autora parece querer demonstrar que o melhor caminho para aquelas mulheres era contar com elas mesmas, deixem amante, marido suicida e covarde e filho preguiçoso e inútil para trás e cuidem de si mesmas. A casinha cedida pela Nina, transforma-se numa república de mulheres corajosas, prontas para enfrentar a vida, com trabalho, com sua próprias habilidades, não necessitando de homens para isso. Tanto que a autora deixa Rino, que retorna de seu auto-exílio, sabedor das novidades, a autora deixa-o fora da república. Aquelas mulheres não precisam de ajuda masculina para superar suas dificuldades.

Lido em Maio/2010

Finkiwan
Enviado por Finkiwan em 03/07/2012
Código do texto: T3758669
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