Resenha do livro Tão breve quanto o agora por Escobar Franelas

A vida é o agora

Se alguém chegar atrasado

vai ficar de fora (p. 9)

Desde que li pela primeira vez “Tão Breve Quanto o Agora”, livro de haicais do poeta Alvaro Posselt, saído do forno em 2012, fui tomado da convicção de que teria que comentá-lo. A obra traz em si tanta significação em sua poesia latente que considerei desde o primeiro momento que não havia por que não me comprometer em “elevá-la” com as forças de que disponho. Eis-me aqui, então.

Poucas vezes me senti tão “tocado” pela poesia do sublime esparramada dentro de mim. Lembro-me de alguma emoção parecida quando li “O Operário em Construção”, de Vinícius de Moraes. E também o mesmo gosto quando me detive em “Morte e Vida Severina”, do mestre de tesoura e lima, João Cabral de Melo Neto. Talvez a mesma sensação de quando “A Morte do Leiteiro”, de Drummond, invadiu-me as entranhas. Ou quando o “Romanceiro da Inconfidência”, de Cecília, confidenciou-me seu sentido. Pensei em recorrer ainda a Mário Quintana e, por último, a Millôr Fernandes, mas aí, desconfio, a analogia ganharia ares muito específicos. Posselt também pratica o haicai (aqui, numa referência específica ao último citado), e talvez aí se explique a desordem sensorial que este ourives curitibano provoca nesse leitor desajeitado.

Assim como outro paranaense, Paulo Leminski, também artesão na escritura da síntese nipônica de três versos, Posselt envereda também pela desconstrução do modelo original. Pois se o “haikai” (ou “hai-kai”) tradicional preconiza que o texto deve ser disposto metodicamente em 17 sílabas, em grupos de 5, 7 e 5 versos, e estes devem, por sua vez, captar toda a essência de um tempo presente (sem a nostalgia do passado ou elucubrações para o futuro), fazer referência ainda que implícita ao mote “kigo” (estação do ano), eternizar um presente “na” e “da” natureza e manter-se desvinculado da imperialidade da rima e de título, a versão que se desdobra na escritura ocidental verte-se de outras variações.

Recuperemos Bashô (1644-1694), mestre dos mestres no Japão feudal: “nenhum som salvo / o das cigarras quebra o / silêncio e rochas”. A ele justapomos Posselt, devotado pesquisador dos desdobramentos do haicai na língua brasileira:

"A vida é um flash

entre quem está parado

e quem se mexe" (p. 71)

O autor aqui estudado traz uma reverência sutil aos mestres antigos sem abrir mão da autenticidade subjetiva e a procura por caminhos que permitam o diálogo entre a tradição e o tempo presente, sem que isso configure ruptura. Poeta em que os líricos versos também tragam outras características, como o humor:

"Noite do espanto

Fui baixar um arquivo

Baixou-me um santo" (p. 56)

Ou o nonsense típico do século XXI:

"Ninguém me liga

nem desliga

Ando meio stand by" (p. 41)

E também encontros sinestésicos que sejam a própria essência da sublimação poética:

"Meus Deus, que desânimo!

Hoje quem vai trabalhar

É o meu heterônimo" (p.32)

Falar de maneira elogiosa sobre Alvaro Posselt pode significar, enfim, redundar-se de forma temerariamente religiosa. Disso ele não precisa. E já que cheguei aqui, acho que o melhor é indicar a fonte: https://www.facebook.com/alvaroposselt. Boa viagem, boa degustação.