O retrato de Dorian Gray

Quando acabei de ler “O Retrato de Dorian Gray”, fiquei ainda um bom tempo sentada, com o livro na mão, tentando perceber o que eu realmente havia achado da obra de Oscar Wilde. Como penso melhor com uma caneta na mão, peguei meu caderno de notas e refiz o caminho das minhas sensações ao longo da leitura...

Já no início do livro, me salta aos olhos a precisão do texto de Wilde. Me impressionam as frases perfeitas – curtas e certeiras em sua espirituosidade rascante. Fico imaginando quantas vezes o autor escreveu e reescreveu o texto até chegar nesse tom exato...

Se o começo é um pouco lento, como já haviam me prevenido, isso não me incomoda. As descrições ricas em detalhes, o belo ambiente e a sedução natural que o século XIX exerce sobre mim fazem com que eu continue a leitura com prazer.

O desenrolar da história não me decepciona. Além de ousada e criativa, a trama do jovem aristocrata afogado em sua própria beleza e juventude é a “desculpa” ideal para que o autor destile a sua ironia e acidez sem parecer panfletário – ou como ele mesmo acusa na voz de Lorde Henry (o “mentor” do eternamente jovem Dorian) sem ser excessivamente realista. O final é perfeito – conciso e coerente com o que foi lido até então.

Aqui, paro e releio tudo o que escrevi nos últimos três parágrafos. Percebo, curiosa, que falei muito da excelência da técnica de Oscar Wide mas que, ao contrário do meu hábito, não comentei a forma como o livro me influenciou, ou me comoveu, ou me incomodou; enfim, não falei sobre como “O Retrato de Dorian Gray” mexeu comigo. Sabem, acho que é porque não mexeu...

E por que será? Em primeiro lugar, ironia demais, muita malícia e uma visão por demais cínica do mundo e das pessoas ao redor são características excessivas do autor que não me pareceram muito convidativas a estabelecer uma relação mais profunda com ele. Mas não é só isso.

O fato é que, em nenhum momento, o livro me seduziu ao ponto de fazer com que eu me apaixonasse por um personagem ou odiasse outro. Senti falta daquela sensação de ser absorvida por um texto até me perder dentro dele – mais ou menos como quando eu descobri espantada que me havia me deixado enganar pelo ardiloso Bentinho até quase a metade de “Dom Casmurro”!

Pensando bem, acho até que havia uma maneira de eu me apaixonar, mas o autor seguiu por outro caminho. Para que o texto me seduzisse, eu precisaria saber mais sobre o retrato. Acredito que, se os embates entre Dorian e o retrato fossem mais freqüentes e mais profundos, o livro ganharia em humanidade e, por conseqüência, em identidade com o leitor. Wilde nos dá muito de Dorian Gray e pouco do retrato. Muito do dândi de salão e pouco da alma atormentada. Talvez, por isso, “O Retrato de Dorian Gray” seja um livro excelente...mas um livro sem alma.

Ana Rodrigues
Enviado por Ana Rodrigues em 05/10/2005
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