O MAL ESTAR NA CIVILIZAÇÃO

Sigmond Freud (186 – 1939) é tido como o pai da Psicanálise e defende que a maioria dos problemas traumáticos do ser humano estão no inconsciente, de onde surgem os conflitos, em sua maioria, de origem sexual.

O título, “O mal estar na civilização” de Sigmond Freud, publicado em http://www.projetovemser.com.br/blog/wp-includes/downloads/Livro%20-%20O%20Mal-Estar%20na%20Civiliza%E7%E3o%20%20(Sigmund%20Freud).pdf por TupyKurumin, é muito sugestivo e nos orienta a começar a ler buscando uma descrição do que seria este mal estar, que seria posteriormente tratado durante o decorrer da dissertação. Por conta desta “autossugestão”, o leitor pode ser orientado a julgar, de início, que este mal seria a religião, depois a busca pela felicidade, a própria sexualidade, um mal inato presumido e repreendido, entre outros assuntos que são abordados com muita sabedoria e peculiaridade. Todavia, tudo isso se desfaz, porque o próprio Freud revela, no segundo parágrafo do capítulo VIII, que “... desconfio que o leitor tem a impressão de que nosso exame do sentimento de culpa [...] corresponde fielmente à minha intenção de representar o sentimento de culpa como o mais importante problema no desenvolvimento da civilização...”.

O texto se desenvolve a partir de uma carta que o autor cita, a qual recebeu de um amigo que diz poder, através da religião, conseguir alcançar um sentimento “oceânico”, referência à intensidade e grandeza do mar, através da religião. Obviamente que, em se tratando de Freud, tal informação precisaria ser investigada, já que outro amigo dizia conseguir o mesmo sentimento, ou um semelhante, através da yoga.

Então, o autor se propõe a explicar o que seria este sentimento “oceânico”, capaz de completar o ser humano e de dar-lhe a felicidade plena, tão almejada e tão pouco alcançada, além de explicar como ele poderia ser alcançado.

Como este sentimento poderia ser atingido pelo ser humano, seja pela religião ou por outros meios, como o narcótico (citando um dos exemplos desmantelados por ele) e até a própria condição de se evitar a infelicidade, como ponto fundamental para se conseguir a felicidade, em uma possível postulação desta busca em segundo plano?

Claramente, ainda no primeiro capítulo, o pai da psicanálise consegue colocar, de uma forma ou de outra, pontos importantíssimos que são, por si só, capazes de levar o homem ao seu mais alto grau de felicidade, indiferentemente dos meios que segue para isso. Não é sem razão que, durante todo o texto, ele coloca a citação “ver [(1)]” para voltar à base do assunto que está desenvolvendo. Porém, como muita coisa fica no ar, nesta primeira explanação transcrita no primeiro capítulo, Freud se aventura por inúmeros caminhos, em busca da resposta sobre a questão que levaria o seu amigo a afirmar que a religião é “um sentimento peculiar, [...] e que pode imaginar atuante em milhões de pessoas. [...] uma sensação de ‘eternidade’, um sentimento de algo ilimitado, sem fronteiras – ‘oceânico’, por assim dizer.”, em oposição ao que ele mesmo afirmara, tendo a religião como “uma ilusão”.

O caso da religião é comumente levantado, seja com citações bíblicas “Ama a teu próximo como a ti mesmo”, com outras citações, ou com o próprio termo “oceânico”. Talvez porque tenha surgido, no assunto religioso, todo o fundamento da discussão que se desenvolve, partindo das palavras do amigo.

A investigação empreendida não busca, no entanto, confirmar a sua opinião ou a do amigo, em relação à religião, mas determinar um ponto de convergência, onde ele e o amigo possam “ter razão”, apesar de terem assumido posturas diferentes em relação à religião e ao sentimento que se desenvolve a partir da completude da felicidade, buscada pelo homem em seu cotidiano.

Com base no conhecimento humano, dos vários pontos de vista, desde Édipo e as necessidades mais básicas do ser humano, a humanidade é desnudada nesta investigação. Seus sentimentos são colocados à prova sob um profundo questionamento. Questiona-se sobre o sentido da felicidade e de sua busca constante, empreendida pelo homem, nos diversos meios, tempos e espaços.

Tal busca é confrontada com as teorias vigentes da época, incluindo pelas suas próprias, levando à conclusão de que vivemos em meio a uma firmação constante de “Eros e Ananke [Amor e Necessidade]” em se tornarem pais da civilização humana. Nesta afirmação, surge um confronto, já que “assim como Eros, existia também um instinto de morte.” que é representado pela necessidade humana de agressividade. Esta, representada pelo superego que se opõe ao ego, obrigando o sujeito a resolver este conflito através do sentimento de culpa, imposto nas formas, externa ou interna, criteriosamente explicadas pelo autor. Para não haver dúvidas, o autor faz uso da página 43 para elucidar o significado referente à ‘superego’, ‘consciência’, ‘sentimento de culpa’, ‘necessidade de punição’ e ‘remorso’,”.

As diversas linhas de pensamento abordadas pelo autor, e suas respectivas conclusões, não são, por ele, colocadas como verdades absolutas, o que ele deixa bem claro quando diz que “O processo da civilização da espécie humana é, naturalmente, uma abstração de ordem mais elevada do que a do desenvolvimento do indivíduo [...] Constituiria tarefa tentadora para todo aquele que tenha um conhecimento das civilizações humanas, acompanhar pormenorizadamente essa analogia.

Após uma exaustiva investigação, abordando todas as variáveis possíveis, Freud chega a uma conclusão em relação à religião, no parágrafo primeiro da pág. 43, onde afirma que as religiões não desprezaram o papel da civilização em relação à culpa e oferece a redenção dessa culpa, através do sacrifício de uma pessoa isolada que toma, toda a culpa, sobre si próprio, evitando assim, que o homem tenha que sofrer a infelicidade proveniente dessa culpa. Deste modo ele justifica a afirmação do amigo em relação ao “sentimento oceânico” citado no início d texto. Entretanto, não antes de deixar alguns desafios, para que fossem refletidos pelo leitor, entre os quais, se a sociedade não teria, toda ela, se tornado neurótica em algum ponto da história, não possibilitando, portanto, que essa neurose fosse detectada, já que não haveria um padrão não neurótico de comparação.

Finalizando, Freud ainda lança a reflexão de que nos resta aguardar o desfecho da eterna luta entre Eros e “seu não menos imortal adversário.”. Advertindo que não temos como saber “com que sucesso e com que resultado?”.

Vale lembrar que, S. Freud escreveu esta reflexão no início do séc XX, descrevendo, nas páginas 25 e 26, comportamentos sociais que não são mais os padrões aceitos, ou exigidos, atualmente. Não obstantes tabus ainda existam e muito ainda se tenha de caminhar no sentido de extirpá-los. Todavia, este anacronismo não fere, em momento algum, à brilhante reflexão daquele que foi, indubitavelmente, quem abriu os caminhos para a psicanálise que conhecemos.

Bibliografia:

http://www.projetovemser.com.br/blog/wp-includes/downloads/Livro%20-%20O%20Mal-Estar%20na%20Civiliza%E7%E3o%20%20(Sigmund%20Freud).pdf