A cruel infância

A CRUEL INFÂNCIA
Miguel Carqueija


Resenha da autobiografia “Infância”, de Máximo Gorki. Editora Cosacnaify, São Paulo-SP, 2007. Tradução e prefácio: Rubens Figueiredo. Posfácio: Boris Schnaiderman. Capa: ilustração baseada em gravuras “lubola” russas. Título original russo: “Detstvo”.

Gorki, falecido em 1936, foi um grande romancista russo e adepto do comunismo. Entretanto, neste volume que é o primeiro da sua trilogia autobiográfica, e que escreveu no tempo ainda do regime czarista, ele não faz proselitismo ideológico. Lkimita-se a contar de forma enxuta e objetivas a sua triste vida dos seis aos dez anos, em meio a uma família pobre e desunida.
O livro, que bem retrata o caráter exagerado dos russos, é triste do começo ao fim. Começa com a morte do pai de Gorki e termina com a morte da mãe — e a expulsão de casa do menino pelo avô. No meio disso tudo outras mortes, doenças, espancamentos de mulheres, brigas entre familiares. E a perplexidade crescente do menino Aleksiei (Gorki) perante a vida miserável e a família anormal que lhe coube.
A primeira vez que li Gorki, faz muitos anos, foi numa revista policial da Rio Gráfica, circulavam várias nas bancas de jornal nos anos 60. Em um conto intitulado “Vinte e seis homens e uma mulher”, que focalizava a triste situação dos servos — espécie de escravidão menos explícita e que existiu na Rússia até o século XIX. Quanto à trilogia, os outros volumes são “Ganhando o meu pão” e “Minhas universidades”.
“Infância” é uma obra crua e sem humor; todavia ás vezes a gente sente vontade de rir por certas descrições de culinária — apenas isso.
É triste saber que açoitavam crianças, que o próprio avô fazia isso. E que Aleksiei Maxsimovitvh Piechkóv, da primeira vez, chegou a ser açoitado até perder os sentidos. Ainda mais quando nos acostumamos a pensar nos avós como criaturas menos severas que os pais.
Um livro que deixa lembranças.

Rio de Janeiro, 10 de setembro de 2017.