O clube da morte, resenha

O CLUBE DA MORTE, RESENHA

Miguel Carqueija


Autor: Ronnie Wells (pseudônimo de Jeronymo Monteiro).
Coleção “Aventuras de Dick Peter” (mistério – ficção científica) nº 1
Edições “O Livreiro Ltda.”, Rua Carneiro Leão 267, São Paulo – SP – s/d.


Este livro faz parte de uma curiosa coleção de fins da década de 40, ainda que venha sem a data de edição. Não chega a ser um livro de bolso, mas é uma brochura bem simples e cômoda para ler. Na capa a figura de uma bojuda aranha em sua teia, e as palavras supracitadas — “Aventuras de Dick Peter”, “mistério” e “ficção científica”. Tenho a impressão que foi a primeira coleção brasileira explicitada, na capa, como sendo do gênero ficção científica; só que dividindo com o gênero mistério, isto é, policial.
Jeronymo Monteiro (1909-1970) foi um dos primeiros escritores brasileiros a criar uma obra extensa no campo da FC. Dick Peter, porém, é um detetive amador, e mora em Nova Iorque. Nem todas as suas aventuras têm a ver com FC. “O clube da morte” é meramente detetivesca.
Autor de “Três meses no século XXI”, “Os visitantes do espaço”, “Fuga para parte alguma” e “Cidade perdida”, Jeronymo Monteiro preferiu se ocultar sob o pseudônimo de Ronnie Wells para assinar as novelas protagonizadas por um herói norte-americano. Wells, naturalmente, é uma homenagem a H.G. Wells. Para caracterizar o aspecto popularesco da edição, vemos que não há nenhum comentário editorial, nenhum indício de que o autor seja brasileiro, salvo a ausência de referência ao título original, à editora original e ao tradutor. Na capa aparece ainda a silhueta de um homem com chapéu e cachimbo, lembrando Sherlock Holmes; na contra-capa são mencionados nove títulos da coleção, inclusive este que é o primeiro.
A história em questão é uma novela policial bastante ingênua e que não obstante funciona. Dick Peter é um detetive amador que auxilia a polícia de Nova York, principalmente o Sargento Cross e o seu chefe Morris. Mas, como de hábito nas histórias detetivescas, o amador é mais esperto, é o que percebe a inconsistência da versão oficial. Quando um ricaço caipira, conforme esta versão, se suicida no Benton’s Clube, é Dick o único que enxerga nisso alguma coisa errada, como se vê no caítulo 5, página 58:
“ — Mas você não vê que é uma história inacreditável?
— Inacreditável? Por que?
— Inacreditável do princípio ao fim!”
E Dick tinha razão, pois outros suicídios tinham ocorrido naquele clube, sempre de ricaços inexperientes e recém-chegados a Nova York, que perdiam toda a fortuna no jogo, assinavam uma promissória e se matavam em seguida. E a polícia sem desconfiar de nada... mas nem há mistério de fato, já que desde o princípio o autor revela as tortuosidades do clube.
Na sequência, porém, Dick já não se revela tão esperto, pois cai facilmente numa armadilha dos bandidos e só se safa porque estes cometem um descuido.
A falar a verdade não há grande mistério na história, pois a chave de tudo é dada no início. Um cassino é explorado por um gangster sem-vergonha, conhecido como o Big Benton. Gray é um dos seus principais auxiliares. Eles descobrem novos-ricos ingênuos que chegam à cidade e os aliciam, atraindo-os para o clube de jogatina, iludidos pela ambição de ganhar mais dinheiro. Deixam que eles ganhem a princípio; depois, quando a volúpia do jogo já não os deixa raciocinar, levam-nos à ruína... e os matam para simular suicídio, depois que assinam uma gorda promissória.
A trama é algo perfunctória, pois criminosos inteligentes não iriam se expor tanto repetindo sistematicamente o mesmo golpe que incluía assassinato, como se cada ricaço arruinado estivesse sempre armado de revólver; nem iriam aprisionar Dick Peter só por identificá-lo sob o disfarce, pretendendo matá-lo depois, ao contrário iriam ser mais cuidadosos e desistir do golpe então em andamento (contra uma mulher). Além dessas fragilidades de enrêdo nota-se também a má revisão do texto, que está cheio de erros (exemplo, pg. 8: “dois cavalheiros mantem animada palestra sentado a uma mesinha).
Aesar de tudo é uma história na média dos contos detetivescos que saíam em revistas como Meia-Noite, X-9 e Ellery Queen, dá para ler sem esforço embora Dick Peter não tenha o charme de um Nero Wolfe, Perry Mason ou Simon Templar. A narrativa, o enrêdo e os diálogos são medianos.
A brochura tem todo o aspecto de edição popular, inclusive o papel barato. Embora “O clube da morte” seja o n° 1 da coleção, cronologicamente não dá início às aventuras de Dick Peter (aventuras mais físicas, com boa dose de violência, que cerebrais), pois há menção de “A febre verde”, outro volume.
Hoje em dia Dick Peter é um personagem esquecido pela mídia.

Rio de Janeiro, 2 a 4 de abril de 2004.