Os Irmãos Karamazov - Dostoiévski, Fiódor

Sete meses. Foi o tempo que precisei para ler esta obra. Não porque tenha demasiada dificuldade para ler palavras, mas ler Dostoievski, em tão semelhante feito, transcende qualquer significado de difícil. Um dos mais árduos e belos desafios que me atrevi a travar. Sinto que cumpri um importante quesito, transpus um notável obstáculo na minha estrada rumo ao conhecimento.

Esses irmãos Karamazov me fizeram enxergar uma outra eu, que talvez pela pressa da vida, deixei para trás, oculta em mim mesma. Ela fez-se ouvir, e semelhante ao encontro surreal que Ivan teve com o diabo, eu me vi dialogar com meus demônios.

Não ousei julgá-los por suas ações, mesmo que elas tivessem me causado algum desconforto ou até mesmo raiva por tamanha ingenuidade ou horror, não ousei porque eles fizeram o melhor que podiam, levando-se em consideração de onde vieram, o meio e a forma como foram criados, tornaram-se homens íntegros. Não ousei, porque teria que analisar meus atos também, e sei que não possuo coragem para tal.

Não posso dizer em qual me espelho, pois todos são extremos de nossa intrínseca natureza humana, que age segundo impulsos, por nós não controlados. Impossível não se emocionar com o discurso genial de Ivan a Aliócha, sobre seu deísmo (sim, acredito que ele era deísta, mas fazia questão de dizer que Deus não existe por ressentimento, e não teria “acreditado na visita do diabo” se fosse de fato ateu), sobre como não questionar uma autoridade divina quando vemos inocentes sofrendo, sobre como não deixar de acreditar ou nunca acreditar que um belo mundo pós-vida virá, sobre a violência de um ser humano para com outro: “Compara-se por vezes a crueldade do homem com a dos animais selvagens, é uma injustiça para com estes [os animais]”. Este capítulo é um dos mais emocionantes e incisivos que já li. Ivan transpassa uma dor, uma “revolta” (exato nome do capítulo), que é impossível não se impressionar, ele conta relatos de histórias, onde crianças foram massacradas e maltratadas por seres humanos (até pelos próprios pais), e mesmo clamando “ao bom Deus”, nada veio ao seu socorro. Ele não entende, e se recusa a aceitar que, segundo o conceito cristão, esses homens que fizeram essas atrocidades, se se “arrependerem”, ainda terão uma vida eterna plena e feliz. Ele abdica de aceitar o “bilhete” de entrada ao céu: “Não recuso admitir Deus, mas muito respeitosamente devolvo-lhe meu bilhete”.

E Kólia, era somente um rapazote de quase 14 anos (como ele sempre ressaltava), mas que clareza de ideias, que inteligência, que humildade para reconhecer os próprios erros, que arrogância para se orgulhar de sua desenvoltura intelectual, é dele a frase célebre: “Se Deus não existisse, seria preciso inventá-lo”... Não podemos nos ver nele também?

Mas como nem tudo é perfeito, Dostoievski tinha que “errar a dose” em algum momento, e esse momento acontece nos trechos do Padre Zózima, que lástima, confesso que “abandonei” a leitura por um 1 mês (só me resta ter dignidade para confessá-lo). Mas como minha vida é pautada em desafios, retomei, precisava me esforçar e terminar meu percurso. Agradeço por ter este ímpeto à curiosidade! E o que antes não me apetecia, passou a me motivar e emocionar, o livro retornara à luz, trazendo-me tudo quanto outrora já esperava e já tinha lido do mestre. Lembrei-me do homem do subsolo, sobre como me apaixonei por seu existencialismo, sobre como o admirei por sua honestidade para consigo mesmo, sobre como seu monólogo-filosófico se assemelha, em grau de inspiração, ao de Ivan “Estar ansioso até a náusea e não poder precisar o que quero. Não pensar, talvez”.

Como não enxergarmos os esboços da filosofia de Nietzsche e o seu “Deus está morto” então “Tudo é permitido”?... Não seria Raskolnikov (Crime e Castigo) um misto de Ivan e Dimitri, com nuances de Aliócha? Como não enxergarmos a psicologia de Freud e seu complexo de Édipo, como não concordar quando este disse que esta foi a maior obra, até então, jamais escrita?

Um livro que fala sobre moral, ética, religião, relacionamentos, amor, desamor, sofrimento, submissão, resiliência, pecado, orgulho, enfim, sobre os homens e suas escolhas, e como elas influenciam os outros e os nossos dias vindouros.

Por fim, foi a experiência mais extravagante e excepcional essa que tive com os Karamazov. Valeu cada hora, cada minuto. Viva Karamazov!