A Peste - Albert Camus

Qual o sentido da vida? O que te move a continuar todos os dias? Por que insistimos em permanecer esperançosos? O que nos faz continuar, mesmo ante ao absurdo de ter que viver?

Nesta narrativa, Camus nos ilustra de forma perspicaz, como o mito de Sísifo se dá na nossa vida dia-a-dia, como nos sujeitamos a rolar todos os dias a pedra que nos foi posta à guarda, mesmo sabendo que amanhã recomeça o ciclo - alimentando um paradoxo - onde somente a morte o cessará.

Em uma cidade onde tudo transcorria normalmente, uma cidade sem árvores, onde o vento a chicoteava sem obstáculos para aliviá-la, seus moradores eram o que se chama de “feliz”. Felizes porque não tinham o porquê de pensar em dor. Felizes porque não tinham perdido a esperança.

Veio a peste, mas esta não somente enegreceu suas peles, mas suas essências, ingenuidade. Já não podiam continuar com suas vidas “normais”, viviam sob constante medo da morte, do sofrimento, da febre, da perda.

Enquanto uns buscavam Deus com ainda mais vigor e fé, outros reafirmavam seu ateísmo diante de tanto sofrimento: ”Já que a ordem do mundo é regulada pela morte, talvez convenha a Deus que não acreditemos nele e que lutemos com todas as nossas forças contra a morte, sem erguer os olhos para o céu, onde ele se cala.”

Não existem heróis nesta história, apesar da nossa mania de querer instituir um. Não temos porque eles mesmos não quiseram, disseram que fizeram o que devia ser feito, e que não havia glória nisto, pois alguém tinha que fazer.

Não há santos nesta história, só humanos. Eles tiveram o desprazer de se depararem com um mal, até então, não visto com seus próprios olhos. Tinham ouvido falar, havia relatos de como era perturbadora, mas só se tem realmente certeza disso, quando se sente na “pele”.

Haviam aqueles que se encarregaram desde o começo, como o Dr. Rieux, em ajudarem os doentes e combaterem a peste, apesar de seus problemas pessoais. Outros, como o jornalista Rambert, a princípio dizendo não pertencerem à cidade, estavam mais preocupados com suas vidas lá fora, do que manterem-se a salvo no momento.

“Outros, mais raros, como Tarrou, talvez, tinham desejado a reunião com qualquer coisa que não podiam definir, mas que lhes parecia o único bem desejável. E, à falta de outro nome, chamavam-lhe, às vezes, paz.”

A saudade e separação de entes queridos, seja pela morte ou pela quarentena, é assunto recorrente no livro: “[...]o grande desejo de um coração inquieto é possuir interminavelmente o ser que ama e poder mergulhar esse ser, quando chega tempo da ausência, num sono sem sonhos que só possa acabar no dia do reencontro.” O desejo pelo objeto amado, ter o direito de ir e vir, um banho de mar, estes pequenos gestos, de que agora eram privados, causava-lhes muito mais dor que seus gânglios inchados.

O narrador decide, até o final, manter-se oculto. Mas ao revelar quem era, ainda mencionando a si mesmo em terceira pessoa, comenta: “[O narrador] decidiu, então, redigir esta narrativa, que termina aqui, para não ser daqueles que se calam, para depor a favor dessas vítimas da peste, para deixar ao menos uma lembrança da injustiça e da violência que lhes tinham sido feitas e para dizer simplesmente o que se aprende no meio dos flagelos: que há nos homens mais coisas a admirar que coisas a desprezar.”

E todos os homens, por motivos diferentes, com suas vidas diferentes, viram-se obrigados a unirem-se e sofrerem juntos. Em raros momentos riram-se de coisas simplórias, viram e sentiram o quanto eram insignificantes, mas não covardes, ante um inimigo invisível e implacável.

E a peste foi embora, ao menos por ora. E a cidade festejou, como de costume. “Na verdade, ao ouvir os gritos de alegria que vinham da cidade, Rieux lembrava-se de que essa alegria estava sempre ameaçada. Porque ele sabia o que essa multidão eufórica ignorava e se pode ler nos livros: o bacilo da peste não morre nem desaparece nunca, pode ficar dezenas de anos adormecido nos móveis e na roupa, espera pacientemente nos quartos, nos porões, nos baús, nos lenços e na papelada. E sabia, também, que viria talvez o dia em que, para desgraça e ensinamento dos homens, a peste acordaria seus ratos e os mandaria morrer numa cidade feliz.”