La Biblia, Fuente de sentido

Resenha

BRUEGGEMANN, Walter. La Biblia, Fuente de sentido. Barcelona: Editorial Claret. 2007

O livro de Walter Brueggemann, La Biblia, fuente de sentido, foi escrito originalmente em inglês com o título: The Bible makes sense em 2003, e foi traduzido para o espanhol por Anna Soler Horta, editado por Editorial Claret, SAL. Brueggemann é um profícuo professor de Antigo Testamento no Columbia Teológical Seminary em Decantur, Geórgia- EUA, sendo ele autor de diversos livros sobre a bíblia e assuntos afins, vem nos proporcionar uma rica leitura com este que, conforme afirma Mary Perkins Ryan no prefácio, "é um livro de estranha natureza". Esta afirmação se dá pela proposta do livro, que visa expor a bíblia, não como um livro onde contém textos antigos, mas sim um interlocutor sobre a presente vida. Para Mary o livro tem ainda um aspecto didático preparado para estudos individuais e também em grupo. Isto fica claro pelas perguntas no final dos capitulo para debate e reflexão. O livro tem um total de 134 páginas e é estruturado em 10 capítulos com vários subtítulos.

No primeiro capitulo o autor propõe a possibilidade de um novo enfoque em relação a bíblia, dizendo que em sua opinião, esta oferece uma forma de ver o mundo valiosa, pois todos nós adotamos um modelo de vida, isto é, paradigmas que temos mesmo que inconsciente. Para Brueggemann, a bíblia tem um enfoque essencial na aliança entre Deus e seu povo. O autor destaca a ideia de nossa visão de mundo é construída pela influência de quatro modelos predominantes, a saber: o modelo cientifico industrial moderno, que tem como base a ideia de que conhecimento é poder; o modelo existencialista, que para Brueggemann é oposto ao modelo anterior, este, tem como característica um estilo de vida individualista, um existencialismo como proposta de que o ser humano é quem toma as decisões; o modelo transcendentalista, que seria uma forma de ver a vida como um fardo pesado, propondo assim uma negação da experiência histórica, sendo uma forma baseada na visão romântica [11]; e por último, o modelo que para o autor é fundado na história e na aliança, que em sua forma de compreender é bem diferente dos demais modelos, pois para ele, diferente de um que tem o conhecimento como poder, a existência humana não consiste em conhecer ou controlar, mas sim em uma vida com Deus. Também difere da concepção de existência isolada, e propõe uma vida comunitária.

Brueggemann desenvolve seus argumentos ao longo do livro em cima deste modelo. O autor encerra o primeiro capitulo nos dizendo que a bíblia pode nos proporcionar uma forma alternativa de entender nós mesmos, uma maneira alternativa de nos relacionar com o mundo, sendo esta alternativa, um modo de considerar nossa própria experiência como parte da realidade.

O capitulo 2 Brueggemann inicia dizendo que o principal tema da bíblia é a história da aliança, e tem como título: “Alimentar a imaginação histórica” [23], onde ele destaca que a leitura bíblica tem como proposito fazer com que nosso mundo se ajuste as suas palavras, sendo que “a fé bíblica consiste em tomar parte de outra história”. O autor destaca a importância de se inteirar dos aspectos históricos, geográficos e das relações dos povos bíblicos, que são para chaves para o conhecimento interior da bíblia. Ele sugere que há uma necessidade de recorrer a imaginação. É interessante a posição em que o autor traz esta ideia, pois depois de inteirado de informações do mundo bíblico, aí sim temos elementos suficientes para recorrer a imaginação, e desta forma dá vida a textos que outrora seriam apenas relatos históricos, e que agora ganham por assim dizer vida em uma leitura que recorre a imaginação. Logicamente que esta proposta tem seu risco por causa da subjetividade que resulta deste tipo de leitura. Porém a proposta nos parece ser viável pelo aspecto de vivenciar situações semelhantes às da bíblia. Outro fator importante a se destacar é que essa concepção de uma leitura bíblica que recorre a imaginação é aplicada apenas aos fiéis, aos iniciados, pois aqueles que não o são, ou nas palavras do autor “profanos”, são histórias arcaicas[34]. O segundo capítulo tem este aspecto de abordagem que resultam de uma leitura internalizada do texto sagrado, isto é, a partir das construções que fazemos em nossa imaginação.

No capítulo 3, a ideia que Brueggemann sugere é uma leitura de dentro da bíblia, de maneira que, em sua opinião não há proveito lermos de forma cronológica, ou mesmo do início ao fim. Para o autor a bíblia não se dedica a falar àqueles que não creem, mas sim, conforme suas palavras, “aos iniciados”[38]. Em sua concepção o texto bíblico parte da narrativa original, sendo no AT uma confissão de fé do povo de Deus, e o Novo Testamento focando na pregação da mensagem do evangelho. Esta narrativa se amplia tanto em um como em outro, neste, parte da promessa de Deus a Abraão desenvolvendo-se aos seus descendentes, e aquele partindo do nascimento a ascensão de Jesus e prosseguindo com a pregação da igreja. Desta narrativa que se amplia segue-se também as narrativas derivadas que partem de personagens como Moises no AT, e Jesus no NT. Brueggemann ainda nos mostra que há a literatura institucionalizada que tem como objetivo legitimar autoridades, e a literatura de instrução e vocação, como os livros proféticos e sapienciais. Desta forma o autor conclui o capitulo pontuando que estes tipos de literatura se relacionam pela narrativa original.

No capítulo 4 Brueggemann reforça a ideia inicial da aliança de Deus com seu povo, de maneira que, para o autor Deus define nosso mundo como um processo que consiste em observar as alianças [52]. Deus é o centro da perspectiva bíblica. A partir do êxodo, aquele povo passa ser o povo de Deus, o povo que antes não o era, mas que agora alcançou misericórdia, isto acontece através da fidelidade de Deus. E este Deus se faz presente no meio de seu povo com seu poder, que conforme Brueggemann incomoda muitas pessoas, as quais possuem ideias convencionais sobre Deus e aquilo que o envolve. Dito desta forma entende-se as declarações bíblicas destacadas pelo autor com a formula “Não temas” [58], reforçando a ideia da presença de Deus, que fica patente no NT com a vinda de Jesus como o Emanuel, ou seja, Deus conosco. Portanto, para Brueggemann o ministério de Jesus tem um enfoque em sua presença conosco, lutando em nosso favor [60]. É o que ele mesmo no promete [Mt 28.18-20].

Introduzindo o capitulo 5, Brueggemann sugere que o povo da aliança vive a espera de mais, ou seja, para ele, a bíblia apresenta uma interação entre o passado e o futuro, sendo este modelado por aquele [67]. O autor trabalha a questão do Êxodo, sendo um evento chave na história do povo da aliança, de maneira que Deus ouviu o clamor de seu povo e veio ao seu encontro, o que também devemos nós estar fazendo em nosso cotidiano conforme diz Brueggemann em relação aos problemas que se enfrenta hoje na sociedade. O próximo evento na história de Israel que o autor trabalha é o exilio, e a posterior volta para sua terra, e aqui ele relaciona com o leitor a história de Abraão em busca de uma pátria. No relato da criação Israel nos mostra como Deus é poderoso para do caos criar todas as coisas, pois ele é quem tem autoridade para chamar a existência aquilo que não existe [Rm 4.17]. Estes atos de Deus, conforme Brueggemann se observam na vida de Jesus, sendo este a boa noticia de Deus ao seu povo.

No capítulo 6 Brueggemann trabalha o assunto da conversão. Ele apresenta como sendo um ato de desligar-se das coisas como são no presente e aceita-las como Deus tem nos prometido no futuro, daí que para o autor a conversão é selar uma aliança com Deus, e esta conversão se aplica a dimensões pessoais, mas também comunitária, e polemicamente sugere que o arrependimento é tanto humano como divino, partindo da noção de que Deus não nos pede nada que ele mesmo não possa fazer [86]. Este tema se estende no NT com más e boas notícias. A boa notícia é que o coração duro é substituído por um novo, de maneira que a conversão consiste nisto.

Da morte para a vida, este é o tema do capítulo 7 onde Brueggemann trabalha entorno do eixo estabelecimento de relações como significado de viver, ou a capacidade de selar alianças que possibilitam a vida em comunidade. Continuar a vida em comunidade é uma tarefa, pois do contrário a morte se impõe, diz o autor. Desta forma ele apresenta a vida como um dom de Deus, sendo que a vida não está em nossa disposição no sentido de manipula-la. Assim como nos capítulos anteriores, Brueggemann relaciona o assunto em questão com Jesus, tendo este por sua ressurreição possibilitado a vida da comunidade, e avança com a igreja que é a comunidade de ressurretos. Para o autor, toda história da bíblia se trata de pessoas que estavam fora da aliança e que são incorporadas a ela, isto é passar da vida para a morte em uma sociedade excludente [102].

O Deus da bíblia é aquele que estabelece e mantém uma aliança conosco, e isto é o que nos torna seus filhos. Assim Brueggemann nos mostra no capitulo 8. Estar em aliança com Deus significa estabelecer uma aliança com seu povo, diz o autor. Ele ainda pontua que desta forma passamos de escravos para filhos de Deus, e cita a parábola do filho pródigo, fazendo assim uma comparação com Israel no Egito vivendo como escravos e que são chamados de primogênitos por Deus. Da mesma maneira em que Deus faz dos escravos, seus filhos, assim também o faz com os órfãos, aqueles que não tem ninguém por eles, adotando-os como filhos. O fato de se tornarem filhos, os que eram escravos e órfãos, os possibilita ter um futuro, isto é, esperança, algo que um escravo ou um órfão não tem.

Brueggemann aborda como privilégio de ser filhos de Deus, além disto, uma vocação que recebem, sabendo que antes não o tinham, mas agora existe uma relação com Deus baseada na confiança e na identificação com a obra de Deus, sendo manifesto em suas vidas por meio do trabalho de reconciliação daqueles “pequenos”, “fracos” e “pobres” que são marginalizados pelas estruturas de poder predominante no mundo. Esta reconciliação ultrapassa os limites da família da fé, alcançando conforme Brueggemann os cordeiros e leões Is 11.6-9 [113]. Contudo, para o autor, podemos vivenciar isto agora, e não esperar para um futuro, o que é defendido por muitos, e para fundamentar sua visão ele cita Efésios 3.1-10.

Caminhando para o final, no capitulo 9 Brueggemann propõe o seguinte tema: A bíblia e a comunidade, e começa dizendo que estudar a bíblia não tem como único objetivo estudar ela mesma, pois pode ser que não reconheçamos sua singularidade para a comunidade dos crentes, sendo que o objetivo da bíblia é preparar um povo disposto para o Senhor [117]. Brueggemann nos informa que o retorno às escrituras é fundamental para a reforma, para uma renovação, e desta forma cita 4 exemplos para justificar seu argumento. Em primeiro lugar o rei Josias, que passava por um período de sincretismo, abandono da aliança com Deus, o qual depois de encontrado o livro da lei, isto é, o pentateuco, faz uma tremenda reforma em Israel. O segundo exemplo, semelhante ao primeiro é de Lutero, este viveu em um tempo de distanciamento da palavra de Deus, e os resultado foram terríveis. Porém, quando Lutero, assim como o rei Josias teve acesso as escrituras, iniciou um processo de reforma surpreendente. O terceiro exemplo, aconteceu 2 séculos após o movimento da reforma, e teve como propulsor John Wesley, o qual sem dúvida nenhuma foi desencadeado pelo estudo das escrituras, as quais confortaram seu coração impulsionando-o a um grande avivamento. E o quarto exemplo que Brueggemann nos traz é do Concilio Vaticano II, que para ele é um marco divisor na história da igreja, de maneira o autor diz não conceber toda mudança sem uma aproximação das escrituras, longe desta, não haveria tamanha mudança e vitalidade na vida da igreja.

“A função da bíblia consiste em renovar a igreja e chama-la ao arrependimento [122]”, pois quando não são as escrituras que nutrem a igreja, dificilmente será uma igreja fiel. Em todos os exemplos citados acima, a igreja tinha-se conformado a cultura em sua volta, e Brueggemann sugere que a prioridade de Deus não é a igreja, mas sim sua criação, e isto é o objetivo das Escrituras, nos orientar a não continuarmos construindo instituições que escravizam e tornam pessoas órfãs. A bíblia nos exorta a que enfrentemos este chamado [123].

Chegamos ao final do livro, isto é, no décimo capitulo. É neste ponto que Brueggeman propõe um resumo que tem como tema: Possíveis aproximações com a bíblia. Neste ponto do livro o autor começa dizendo que a bíblia continua a fascinar as pessoas, pois podem interpretar de distintas maneiras, o que então ele nos mostra afirmando que existe outras maneiras de se aproximar da bíblia, e que seu enfoque apresentado no livro é fiel ao caráter desta.

Desta forma Brueggemann nos chama a atenção para as pressuposições que subjazem seu livro, as quais são: A bíblia é um recurso atual para a fé e não apenas uma curiosidade histórica, isto é, estes textos afetam o presente de uma forma significativa [128]. A bíblia deve ser considerada como um conjunto de perguntas a igreja, e não um conjunto de respostas, pois esta, se interessa com as relações fieis que se estabelecem entre Deus e seu povo. Portanto, o objetivo chave da bíblia para o autor é explorar novas dimensões sobre o conceito de fidelidade. Outro pressuposto que norteia a confecção do livro é que a bíblia não é uma coleção de conclusões, mas sim de pressuposições, e o fato de trata-la como tal, isto é, um conjunto de conclusões, é enquadra-la e categorias cientificas por meio de verificações [130]. A bíblia, diferentemente disto, não analisa as questões antes de dizer algo sobre aquilo que diz, pelo contrário, ela parte do conceito que Deus fez todas as coisas, e depois desenvolve tal conceito, e assim é com todos os assuntos que trabalha.

O autor afirma ainda que parte do suposto de que a bíblia não é um livro como outros em que consideramos como objetos a serem analisados, e que revelam seus segredos, antes, sua concepção é de que a bíblia é um interlocutor no qual devemos nos dirigir em uma relação dialógica na qual este interlocutor nos questiona e nos alimenta, sendo este um processo maduro para o cristianismo. A bíblia nos apresenta uma diversidade valiosa, e Brueggemann adota esta concepção de que não devemos reduzi-la por causa de nossa capacidade de compreensão diante de sua riqueza, de maneira que não podemos, segundo ele, optar por uma outra coisa, mas sim dialogar com sua diversidade. E por último, o autor tem como suposto que a bíblia é uma lente pela qual percebemos toda a vida, pois as experiências não surgem em um vazio, de maneira que devemos ter a consciência das diferentes lentes que modelam decisivamente nossas percepções, sendo a bíblia uma lente especial, e, portanto, não devemos domestica-la a nossas percepções privando-nos de suas principais declarações.

La Biblia, fuente de sentido é um excelente livro, apesar do fato de estar em espanhol, o que dificulta para o leitor sem domínio da língua, ainda assim podemos nos edificar com o trabalho de Brueggemann. Exceto o último capítulo que é um resumo onde o autor expõe as lentes pelas quais desenvolveu seu trabalho, todos os outros contem no final algumas perguntas para reflexão, nãos considerei elas no desenvolvimento por questões de espaço, contudo são pertinentes ao assunto de cada capitulo. Além do mais o autor sugere alguns textos bíblicos para meditação, e alguns comentários em seguida.

A proposta de Brueggemann no desenvolvimento do livro é bem interessante, pois ao meu ver seu principal objetivo é mostrar como a bíblia é relevante e dialoga conosco hoje em dia, e não apenas um livro antigo de um povo distante da atual sociedade moderna. Para expressar isto o autor nos leva a uma leitura agradável por temas intrigantes do Antigo Testamento, e os desenvolve relacionando-os a pessoa de Jesus no Novo Testamento, e consequentemente expõe como a igreja desenvolveu tais assuntos. Esta maneira de relacionar o AT com o NT leva-nos a reconhecer a autoridade de ambos os testamentos para o autor.

A despeito de algumas declarações utilizando termos carregados de algum tipo de ideologia materialista histórica como: Alienação social, opressão do povo de Deus, inclusão como ressureição e estruturas excludentes etc., que podem criar certa aversão aos leitores, principalmente devido ao contexto em que estamos inseridos onde uma efervescente onda conservadora tem se levantado.

Outro problema que encontrei no desenvolvimento do livro foi no capitulo 9 onde a questão da inclusão do Concilio Vaticano II como comparação aos eventos da Reforma do Rei Josias, a Reforma do Século XVI, o movimento de John Wesley no século XVIII. Em minha opinião é um tanto quanto difícil aceitar a ideia de que tal evento seria fruto de uma busca nas escrituras.

Em resumo penso ser um bom livro para uma meditação a respeito do sentido da bíblia na contemporaneidade. Os assuntos são relevantes e nos aproxima da bíblia. No demais acredito ser uma boa ideia para se amadurecer a tradução para o português, facilitando assim o acesso aqueles que devido ao idioma não o tem.

Marcelo Junio Silva
Enviado por Marcelo Junio Silva em 13/02/2018
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