Freud explica mesmo?

FREUD EXPLICA MESMO?
Miguel Carqueija

Resenha do volume “Cinco lições de Psicanálise” e “Contribuições à Psicologia do amor”, de Sigmund Freud. Editora Imago, Rio de Janeiro-RJ, 1997. Título original: “Ulaer Psychoanalyse/Beltrage zun Psychologie des liebeslebens”. Capa: Bárbara Szaniecki. Tradução: Durval Marcondes, J. Barbosa Corrêa, Clotilde da Silva Costa, Jayme Salomão, Darei Mussa.

Nunca tinha lido Freud, mas o que já dele ouvira falar — que a sua psicanálise busca explicar todo o comportamento humano pelo sexo — aqui se confirma. O livro consta da compilação de duas partes. A primeira, uma série de cinco palestras. A seguinte consta de três artigos sendo o último portador de título bem significativo: “O tabu da virgindade”.
É claro que Freud sabe se expressar; era um homem verdadeiramente culto. Mas fico pensando até que ponto os preconceitos influenciaram a sua obra. Ele só se refere aqui à virgindade feminina, olvidando que existe também a masculina. Afinal, todas as pessoas nascem virgens. Ou será que virgindade é só aquilo que se pode perfurar fisicamente? Virgindade é nunca ter praticado o ato sexual e isso vale para os homens também.
Quanto a ser “tabu”. Uma pessoa que por escolha própria — por não pretender casar, por exemplo, ou mesmo por abraçar estado religioso — resolve permanecer virgem até o casamento, ou até a morte — merece que a respeitem em sua escolha. Mas, para piorar, Freud procura explicar comportamentos, traumas ou bloqueios com a sexualidade infantil.
Freud recorre também ao Complexo de Édipo — querer, inconscientemente, matar o pai e casar com a mãe.
Confesso que, por mais respeitáveis que sejam as investigações de Freud, e por mais que ele seja um “monstro sagrado”, parece-me que há qualquer coisa muito errada em seu raciocínio, que macula até a pureza do amor materno e filial. Vejam na página 71:
“Por outro lado, a segunda precondição para amar — a condição de que o objeto escolhido deva se assemelhar a uma prostituta (sic) — parece se opor energicamente à derivação do complexo materno. O pensamento consciente do adulto apraz-se em considerar a mãe uma pessoa de pureza moral inatacável; e poucas ideias são para ele tão ofensivas, quando partem de outros, ou sente como tão atormentadoras quando surgem de sua própria mente, como a que põe em dúvida esse aspecto de sua mãe.” Para ele esses dois “complexos” podem ser, no inconsciente, uma coisa só.
Na sequência, que me causa um certo nojo, Freud comenta o menino (ele se concentra na psique dos meninos, como se fosse mais importante) que, chegando à puberdade, tende a duvidar que os pais pratiquem o sexo como os outros, e que isso destrói a autoridade dos adultos (?). Mais: ele passa a achar que não há muita diferença entre a mãe e as prostitutas, pois fazem a mesma coisa (é ignorar o aspecto casto do sexo conjugal). Mas afirmação mais absurda é esta, na página 73, ainda sobre o menino: “Não perdoa a mãe por ter concedido o privilégio da relação sexual, não a ele, mas a seu pai, e considera o fato como um ato de infidelidade.” É conferir a cada adolescente menino um diploma de debilidade mental. Como é que o tal “privilégio” poderia ser concedido a um filho que nem sequer havia sido gerado? E como classificar tal coisa como “infidelidade”?
Já houve quem definisse a psicanálise como a mistificação do século (passado), creio até que existe um livro com esse título. Como não o li e conheço muito pouco sobre esse especialidade, não serei imprudente de endossar essa opinião. Mas Freud, nessa primeira experiência de leitura, não me convenceu.

Rio de Janeiro, 13 de outubro de 2017.