Um processo difícil

Quem já não leu histórias de Natal para crianças? Elas são marcantes, emocionantes e suas mensagens nunca saem de nossas memórias. Entre os melhores livros infantis que tem a época natalina como tema está Quando comecei a crescer, escrito por Ruth Rocha.

Narrada em primeira pessoa pela protagonista, que se refere a um período de sua vida (o que nos faz supor que ela já seja adulta), a história é ambientada em uma rua e se passa no período em que todos estão se preparando para festejar o Natal. A protagonista, cujo nome não chega a ser mencionado, lembra que era uma menininha de uns 6 ou 7 anos, a menor da turma e queria se misturar às crianças maiores. Porém, estas a consideravam nova demais para andar com eles.

A menina acreditava em Papai Noel e seu maior sonho era ganhar uma bicicleta. Por isso, ela aguardava ansiosa o Natal para que Papai Noel lhe desse o tão almejado presente.

Nesta história, acompanhamos os preparativos na casa da menina, na qual vemos sua família decorando o ambiente doméstico e também a vida na vizinhança, uma rua sem calçamento em que as crianças brincavam livremente. Alguns leitores adultos terão saudades ao recordar um tempo em que se podia brincar na rua e os pais não temiam que seus filhos sofressem qualquer violência. É gostoso ver as pessoas conversando nas calçadas, decorando as árvores, preparando os pratos e a menina deliciada com a expectativa de ganhar o seu presente.

O ponto culminante da história acontece quando a protagonista está na sua cama, sem conseguir dormir, esperando que Papai Noel venha deixar sua bicicleta. Neste momento, ela ouve um barulho estranho e vai verificar, descobrindo que são seus pais que estão arrumando a bicicleta na garagem. Nesta hora, é que entendemos o porquê do título do livro. Crescer não é apenas ficar mais velho ou mais alto, mas começar a entender a realidade do mundo que nos cerca. Ao ver que não é Papai Noel, mas seus pais quem lhe darão seu sonhado presente, a menina inicia um difícil processo de rompimento com o mundo de fantasia e entrada no mundo concreto.

Ela começa a pensar e percebe o que antes não percebia, aprendendo, por exemplo, o motivo pelo qual as crianças pobres não ganhavam presentes bonitos, concluindo que não era por não serem “tão boazinhas e obedientes” quanto as crianças cujos pais tinham condições econômicas melhores e que podiam ter belos brinquedos. Isso a faz ver que a realidade é complexa e nem sempre justa, pois muitos não têm condições de ter o que desejam ou mesmo precisam.

Crescer não é fácil, podendo ser doloroso. Envolve renunciar a crenças antigas e refletir sobre a razão de tudo usando nosso próprio discernimento. A menina chora ao se aperceber da verdade, pois as fantasias sempre nos fornecem um conforto que nos permite escapar das dificuldades da vida real. Porém, ela também conhece alegrias. Seu contentamento é enorme ao ver sua bicicleta e os grandes passam a aceita-la por perceberam que ela já não é mais tão infantil. Como vemos, o amadurecimento já está se revelando em seu gesto e postura. Todos notam quando mudamos.

Quando eu comecei a crescer é um livro especial, porque mostra como o Natal, sendo uma época de transição, simboliza bem a passagem da vida da menina, que começa realmente a crescer ao acordar para a vida real, despertando das fantasias que antes compunham seu mundo.