HISTÓRIAS FANTÁSTICAS de Luiz Zatar, resenha

HISTÓRIAS FANTÁSTICAS de Luiz Zatar, resenha
Miguel Carqueija

“Avant Publicidade & Design, Niterói-RJ, 1990. Capa e ilustrações: Luiz Zatar. Diagramação e composição: Avant Publicidade & Design. Copyright 1990 Luiz Zatar. Obs. sem qualquer endereço (muito estranho).

NOTA em 18 de julho de 2018: Esta resenha crítica foi originalmente publicada no fanzine impresso (publicação em xerox, com poucos exemplares) “Notícias do Fim do Nada”, especializado em ficção científica e gêneros similares, que era editado em Porto Alegre pelo saudoso Dr. Ruby Felisbino Medeiros. Na época meu texto provocou indignada réplica de um dos assinantes do fanzine, que me acusou de ser frustrado e ser um escritor desconhecido. Na verdade, embora me reconheça como desconhecido, não fui movido por qualquer animosidade com Luiz Zatar, com quem tive até algum contato epistolar. Eu parto do princípio de que uma resenha de livro ou filme não tem necessariamente de ser elogiosa. O resenhador deve ser imparcial e dizer o que realmente pensa da obra em vez de se perder em elogios mentirosos. Apesar de todas as restrições que fiz ao livro analisado, em nenhum momento pretendi ofender o autor. Além disso um escritor não pode exigir que todos gostem de seus trabalhos; o mais certo é aceitar com simplicidade críticas desfavoráveis como várias que eu próprio recebi. Luiz Zatar com certeza é um autor muito imaginoso e fértil, o problema é a maneira como ele desenvolvia no papel sua criatividade. Críticas negativas devem ser construtivas, ou seja, apontar onde se encontram os defeitos, dar sugestões, e o autor pode tirar proveito disso.
Mesmo assim, quando resolvi colocar na internet esta antiga resenha, ao digitar o manuscrito original pareceu-me que de fato, eu havia colocado um excesso de ironias que não eram necessárias. Eu as expurguei, permanecendo porém as restrições que faço à qualidade do livro como obra literária. Apesar das falhas o livro pode ser lido como diversão, para quem aprecia histórias bem extravagantes.
Segue-se a resenha revisada.
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Este livro de contos fantásticos do niteroiense Luiz Zatar — que também é quadrinista, criador da série “Rubow no espaço” — vem acompanhado, desde a contracapa e orelhas, por prolegômenos assinados por Luiz Ubirajara de Oliveira Júnior, Gylce de Lourdes, Helena Maria, Marco Americo Lucchesi, Zilcy Jardim de Mattos da Fonseca, Dalma Nascimento, João Luiz Pinaud e do próprio Zatar. E no entanto, como veremos, o conteúdo não justifica tamanho palavreado, pois todas as virtudes aí alegadas estão em bruto, à espera de serem lapidadas por um maior capricho gramatical e estilístico e uma ordenação melhor das ideias.
O SANGUESSUGA – Uma ideia boa, aliciante, com aquele convite ao arrepio das histórias de terror, mas um tanto desalinhada, e realmente triste em seu final. Falta um aprimoramento no estilo de Zatar, e talvez, se ele tivesse outra tendência em suas histórias, o resultado saísse melhor se houvesse resistência ao Sanguessuga e ao mal que ele representa. Mas desde o princípio o leitor já sabe que a avó de Teó está condenada e que o monstro, visto a distância com forma humana e chapéu, sairá vencedor.
A CASA DE VIDRO — O prefaciador João Luiz Pimentel chama a atenção para o início instigante da história, com a irmã do protagonista dizendo: “Entre. O caixão está no quarto”.
Admitamos que é um começo original. Mas a história acaba se perdendo no diálogo fraco, na situação inconsistente, no final insosso, em aberto, ou no tom geral de extravagância sem nexo. Não basta escrever coisas estranhas para ter um bom conto de literatura fantástica, há que apurar não só o estilo mas a tessitura da história.
PERDA DA REALIDADE — Uma mulher começa a ver as pessoas ao seu redor como se fossem répteis ou patos à maneira do Wally Gator ou do Pato Donald. Além da história ser tosca e sem a mínima graça ainda ocorrem erros de revisão, como na página 16: “ela se desvencilhou-se”. Há uma cena em que o próprio analista de Clarisse vira um jacaré, mas o surrealismo da história vai além das possibilidades psicológicas reais.
O GÊNIO DA LÂMPADA — Com 34 páginas, é um conto bem longo. Zatar brinca com a falácia do gênio da lâmpada, uma das ideias clássicas das “Mil e uma noites”. Aliás esse assunto de gênios de lâmpadas (ou “lâmpadas de Aladim”) presta-se muito, hoje em dia, a anedotas e gozações.
Por outro lado Zatar retorna à sua recorrência — menos sutil que em Roberto Schima — da infância perdida, dos ideais, do cultivo da fantasia e da imaginação, da estagnação da vida e da sensação de vazio, desperdício... só que Sérgio é um personagem antipático, que ignora a esposa (para ele, ela é um zero à esquerda) e negligencia a filha, deixando inclusive, seguidamente, de pagar a mensalidade escolar.
Especialmente revoltante é o detalhe da página 35: “Dentro do armário foi encontrar os trilhos de uma miniatura de uma estação de ferro, um pouco desconjuntada; sempre pensara haver guardado aquela sua miniatura para dar para seu filho, mas este nunca chegou. Sua mulher tivera uma menina.” Mas por que o esquizofrênico não podia dar o brinquedo para a filha? Ou será que meninas não brincam com ferrovias?
É por isso que a gente não sente pena quando Sérgio, depois de encontrar a lâmpada mágica e convocar o gênio, descobre que não pode controlá-lo. Esse é o cerne da história, e muito mal desenvolvido, pois o autor vai empurrando as palavras sem organizá-las direito, e ainda por cima é mau finalizador. Ele gosta, sim, de encher o texto com citações, num exagêro. Só nesse conto encontramos o gabinete do Dr. Caligari, a Bruxa do Mar, Gepeto, Pinóquio, Aladim, o rouxinol do imperador, o Shazam, George Lucas, Scooby-doo, Tom e Jerry, Pernalonga, a Feiticeira, os Flintstones, os Jetsons, Tarzan, Walt Disney Company, “Jeannie é um gênio”, Barbara Eden, Shirley McLaine, Quinta Dimensão...
TERAPIA PREDILETA — Outro entrecho patológico, prejudicado pelo estilo atabalhoado de Zatar. Elvira é uma esquizifrênica que recebe alta do sanatório e vai morar numa casa de campo à margem de um lago, onde fica pintando quadros e mais quadros, até que começa a ser ameaçada pelo credor de dívidas esquecidas.
O CASTELO DOS MEUS SONHOS — Outra história de ideia aproveitável, estragada pelo cacoete do autor de amontoar as palavras de qualquer maneira.
Amaryllis é uma dessas personagens mal-amadas de Zatar, e que também é mal-amante, como se vê que não está nem aí para a própria mãe, que tem o nome estrambótico de Bilula. Amaryllis é tão insensata que torra o dinheiro do aluguel para bancar uma festa de aniversário e convida apenas os melhores amigos, que afinal não comparecem, com exceção do esquisitão Rui, que lhe traz o esperado quadro, que afinal é uma decepção. Os clichês de Zatar abundam aqui: solidão, juventude perdida, ausência de laços familiares, raciocínios extremados e insanos, além das sugestões de sobrenatural, que geralmente permanece sub-reptício, como se vê no detalhe do palhaço na moldura, que Amaryllis vê como um ser de pesadelo.
“Oh! Ela engoliu em seco sentindo sua boca terrivelmente amarga. Para onde foram os meus sonhos? Pensou, girando e girando pelas paredes, cabeceando pelos móveis como se tudo houvesse enlouquecido subitamente, à sua volta”.
TEMPO DE SOBRA — Conto curto, talvez vagamente inspirado no filme “A pequena loja dos hoirrores” de Roger Corman, e até em “A máquina do tempo” de George Pal. Algumas idiossincrasias: na referência à lâmpada Philips, todas as letras da marca em maiúscula; e alongamento de palavras nos diálogos (“Coooosspe!”).
O ELEVADOR — Mais uma história forçada. Adalgisa é uma mulher gorda que tem fobia de elevador e por isso sobe e desce diariamente 26 andares (?). Quando ela tem de entrar no elevador começam os problemas, entremeados d eonomatopeias incômodas. Felizmente é uma história curta.
ELES SÃO PERVERSOS — Zatar começa a narrativa com um parágrafo de três páginas (sic). Tudo para descrever os grilos de uma psicopata envenenadora. Chega a ser cansativo. Aí estão de novo a infância perdida, a juventude consumida, as mágoas familiares.
“Ele sempre me fez sentir algo assim (pesos ou sacos de lixo, atrás referidos). É como se ele tivesse se divertido por muito tempo a enterrar nós duas, eu e mamãe, aqui, no seu maravilhoso mundo! Sepultadas vivas, sem personalidade! Sem desejos, sem sonhos! Eu sempre o odiei por isso. Por sua indiferença com o que estivesse passando por nossas cabeças”.
O autor poderia desenvolvoer bons enredos de traumas se escrevesse com mais calma e cuidado, buscando um estilo apresentável. Mas isso não ocorre, e continuam presentes alguns erros de português indicando falta de revisão (na pg. 94, “exitante” por “hesitante”).
A ESTRELA — A personagem do título é uma ex-estrela fictícia do teatro e do cinema; “ensinou Carmen Miranda a dançar” (sic), “fez cinco filmes com Oscarito” e “inaugurou o Cassino da Urca”. Apesar de tais exageros, Mañana (de onde o autor tirou esse nome?) é uma figura insípída e narcisista (“Quero que o mundo saiba que existo! Quero virar capa da Vogue!”), que faz um pacto com um duende (?) para voltar a ser famosa e requestada.
No meio de muitas citações (como Walt Disney e Ray Conniff) seguimos para o final, onde ideias boas (como a das antigas portas mágicas que ligavam nosso mundo ao mundo da fantasia) são desperdiçadas.
NUMA NOITE DE SEXTA-FEIRA QUANDO O MUNDO EVAPOROU — Raul, o menino da história, está às voltas com um parente que é monstro. Seguindo esse argumento Zatar volta com exageros, frases escandidas e sustos estapafúrdios. E mais uma vez, não se vê o amor nas relações familiares e outras que tais (parecem os quadrinhos de Carlos Estêvão). Para exemplificar o tipo de horror de Luiz Zatar, vejam o que o tio Valter responde quando Raul lhe pergunta onde está a menina:
“Eu a comi, Raul! Ora, o que queria que eu fizesse? (sic) Eu a coooomi! AH AH AH!”
ALICE ESTÁ DE VOLTA — Aqui, por conta de “Alice no país do Espelho”, de Lewis Carrol, o autor conta uma vinheta sobre uma menina que ao procurar o seu quarto se vê presa entre espelhos, como em outra dimensão. O efeito é muito fraco, sem clima de terror ou fantasia.
MONSTROS NÃO EXISTEM — Eis aí uma história muito grande — mais de quarenta páginas — e que decididamente cansa depressa. Aí está de novo a fixação do autor pela perda da infância e da juventude, a vaziez da vida: “A perspectiva dos anos vazios que a esperavam lhe enchiam do mais completo terror” — página 131, referência à personagem Luíza. Mas isso não leva a nada, pois o que a história conta mesmo é o estranho relacionamento dela com o misterioso Dr. Carlos Eduardo da Cruz, um psicopata-monstro muito chato. Imagunem que ele cria um leão, que vitima a personagem Judith. Mas nem precisava ter um leão, pois ele próprio é um monstro devorador de gente. Tem a psicose dele com a avó, a teimosia de Luíza em se relacionar com um sujeito super-esquisito, os diálogos mal feitos e diversos erros de revisão.
TEMOS DE MATAR O GIGANTE! — Aqui se fala de uma jovem mãe que se atrapalha toda só para contar uma história de fadas para a sua filha Fernanda. Narrativa sobre narrativa, com um final-surpresa, uma tentativa de metalinguagem. Mas a semi-história de um anão chamado Grão de Feijão e sua luta para libertar a Princesa Andira das mãos de um gigante mau, esbarra com problemas semelhantes aos anteriores. É um pouco melhor que os outros contos (à exceção de “O Sanguessuga”), talvez por se manter a nível mais infantil e menos pesado.
A mistura que o autor faz da ficção com a realidade poderia ser melhor desenvolvida. Seria preciso reescrever a trama com um estilo mais escorreito e com um pouco mais de coerência.

Rio de Janeiro, 30 de novembro de 2003 a 12 de março de 2004 — texto revisado entre 16 e 18 de julho de 2018.