Viktor E. Frankl - Em busca de sentido (Trechos)

Em busca de sentido

Viktor E. Frankl

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O escritor e psiquiatra Viktor E. Frankl costuma perguntar a seus pacientes que estão sofrendo muitos tormentos, grandes e pequenos: "Por que não opta pelo suicídio?" É a partir das respostas a essa pergunta que ele encontra, frequentemente, as linhas centrais da psicoterapia a ser usada. Num caso, a pessoa agarra-se ao amor pelos filhos; em outro, há um talento para ser usado, e, num terceiro caso, velhas recordações que merecem ser preservadas. Tecer esses débeis filamentos de uma vida arruinada para construir com eles um padrão firme, com sentido e responsabilidade - esse é o objetivo e o desafio da logoterapia, versão da moderna análise existencial elaborada pelo próprio Dr. Frankl. [1]

É impossível evitar a comparação entre os enfoques terapêutico e teórico de Frankl e o trabalho do seu predecessor Sigmund Freud. Os dois médicos se preocuparam basicamente com a natureza e a cura das neuroses. Freud encontra a raiz dessas desordens angustiantes na ansiedade causada por motivos inconscientes e conflitantes. Frankl distingue várias formas de neurose e atribui a algumas delas (neuroses noogênicas) à incapacidade de encontrar um sentido rum senso de responsabilidade em sua existência. Freud acentua as frustrações da vida sexual; Frankl, a frustração da vontade de sentido. [2]

Fome, humilhação, medo e profunda raiva das injustiças são dominadas graças às imagens sempre presentes de pessoas amadas, graças ao sentimento religioso, a um amargo senso de humor e até mesmo graças às visões curativas de belezas naturais - uma árvore ou um por do sol. [3]

Esses momentos de conforto não estabelecem o desejo de viver – a menos que ajudem o prisioneiro a ver um sentido maior no seu sofrimento aparentemente destituído de significado. É aqui que encontramos o tema central do existencialismo. A vida é sofrimento, e sobreviver é encontrar significado na dor. Se há, de algum modo, um propósito na vida, deve haver também um significado na dor e na morte. Mas pessoa alguma é capaz de dizer o que é este propósito. Cada um deve descobri-lo por si mesmo, e aceitar a responsabilidade que sua resposta implica. Se tiver êxito, continuará a crescer apesar de todas as indignidades. Frankl gosta de citar esta frase de Nietzsche: “Quem tem por que viver pode suportar quase qualquer como”.

“Não procurem o sucesso. Quanto mais o procurarem e o transformarem num alvo, mais vocês vão sofrer. Porque o sucesso, como a felicidade, não pode ser perseguido; ele deve acontecer, e só tem lugar como efeito colateral de uma dedicação pessoal a uma causa maior que a pessoa, ou como subproduto da rendição pessoal a outro ser. A felicidade deve acontecer naturalmente, e o mesmo ocorre com o sucesso; vocês precisam deixá-lo acontecer não se preocupando com ele. Quero que vocês escutem o que sua consciência diz que devem fazer e coloquem-no em prática da melhor maneira possível. E então vocês verão que em longo prazo – estou dizendo: em longo prazo! – o sucesso vai persegui-los, precisamente porque vocês se esqueceram de pensar nele”. [5]

Este livro não trata de fatos e acontecimentos externos, mas de experiências pessoais que milhares de prisioneiros viveram de muitas formas. É a história de um campo de concentração visto de dentro, contada por um dos seus sobreviventes. Não vamos descrever os grandes horrores (já bastante denunciados; embora nem sempre se acredite neles), mas sim as inúmeras pequenas torturas. Em outras palavras, tentarei responder à seguinte pergunta: “De que modo se refletia na cabeça do prisioneiro médio a vida cotidiana do campo de concentração?” [6]

Todos nós que escapamos com vida por milhares e milhares de felizes coincidências ou milagres divinos – seja lá como quisermos chamá-los – sabemos e podemos dizer, sem hesitação, que os melhores não voltaram. [7]

Afinal de contas, já foi publicado um número mais que suficiente de relatos contando os fatos nos campos de concentração. Aqui todavia, apresentaremos os fatos apenas na medida em que eles desencadearam uma experiência na própria pessoa; é para a experiência pessoal em si que se voltará o estudo psicológico que segue. [8]

O objetivo, então, é fazer o não iniciado também compreender a experiência do prisioneiro e suas atitudes, e compreender também aquele número tão reduzido de ex-prisioneiros que sobreviveram, aceitando a sua atitude singular diante da vida – e que constitui uma novidade do ponto de vista psicológico. Pois a atitude dos sobreviventes não é sempre fácil de compreender. [9]

Essas teorias psicológicas poderiam ser uma contribuição à psicologia, ou psicopatologia, do encarceramento, investigada há décadas. Já a Primeira Guerra Mundial mostrou a “doença do arame farpado” dos primeiros campos de concentração. Devemos ser gratos à Segunda Guerra Mundial por ela ter aumentado o nosso conhecimento sobre a “psicopatologia das massas” (para parafrasear o título de um livro bastante conhecido de LeBon). Ela nos agraciou com a “guerra de nervos” e todas as experiências do campo de concentração. [10]

[1] FRANKL, Viktor E. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. 42ed. - São Leopoldo: Sinodal; Petrópolis: Vozes, 2017. p. 5

[2] Cf. FRANKL, Viktor E. Op., cit., p. 6.

[3] Cf. FRANKL, Viktor E. Op., cit., p. 7.

[4] Cf. FRANKL, Viktor E. Op., cit., p. 7.

[5] Cf. FRANKL, Viktor E. Op., cit., p. 10.

[6] Cf. FRANKL, Viktor E. Op., cit., p. 15.

[7] Cf. FRANKL, Viktor E. Op., cit., p. 18.

[8] Cf. FRANKL, Viktor E. Op., cit., pp. 19-20.

[9] Cf. FRANKL, Viktor E. Op., cit., p. 20.

[10] Cf. FRANKL, Viktor E. Op., cit., p. 21.

Viktor E. Frankl
Enviado por Nijair Araújo Pinto em 22/07/2018
Reeditado em 31/03/2020
Código do texto: T6396780
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