UMA ANTOLOGIA LUSITANA DE FICÇÃO CIENTÍFICA

UMA ANTOLOGIA LUSITANA DE FICÇÃO CIENTÍFICA
Miguel Carqueija

Resenha de : “Ficção científica: os melhores contos”. Moraes Editores, Lisboa, Portugal, 1978. Coleção Aventura Interior, 4. Tradução: Rita O’Neill e Armando Coelho Almeida Santos. Capa: Luís Duran. Organização e prefácio: Romeu de Melo.
UMA LIÇÃO DE HISTÓRIA (Arthur C. Clarke) – Merlin Press. Nova Iorque, EUA, 1948. – Bem que certa vez Fausto Cunha classificou Clarke como “terrorista” entre os autores de ficção científica. Com muita facilidade ele imagina o final de raças inteligentes, na Terra ou em outros locais. Aqui a vida na Terra se extingue por conta de uma nova Idade do Gelo, mais abrangente que as anteriores, pois avança pelo norte e pelo sul. Muito tempo depois os répteis de Vênus, representando uma nova civilização, descobrem um filme de Walt Disney e ficam intrigados com o seu significado. Como a história foi publicada originalmente em 1948, pode até se referir a um desenho do Pato Donald; falta uma pista suficiente. No cômputo geral o conto, apesar de bem escrito, me parece bobo e cabotino.
O PROFESSOR DE MARTE (Eando Binder) – Merlin Press, 1949. Narrativa em primeira pessoa, fala sobre preconceito. Um professor marciano, cujo aspecto físico é bem diferente do humano, sendo muito magro, com dois metros e meio de altura e tentáculos pendentes dos ombros. Como em certa época houve guerra entre Terra e Marte o Professor Min Zeerohs, ao chegar a um colégio masculino de Indiana, é mal recebido pelos alunos quase adultos que, capitaneados por certo Tom Blaine, iniciam o “bullying”.
O tema é válido e a história idem, apesar de meio forçada. Binder foi, em seu tempo, um importante autor de FC, conhecido pela sua criação de Adam Link, um robô inteligente.
O DODECAEDRO (Francisco Lezcano) – sem informação útil, apenas consta “Ides et autres” n° 6, cahier anthologique de la traduction, outubro de 1976”. Portanto aparentemente este conto foi aproveitado de uma revista francesa, e nada sei sobre o autor.
A história não tem pé nem cabeça e sua mensagem é por demais hermética. Uma cerimônia pública é interrompida por um objeto que começa a crescer de forma incontrolável, destruindo tudo ao redor, sendo ao que parece indestrutível; no fim os aviões lançam sobre ele quatro bombas atômicas. E termina aí, sem uma chance para a compreensão.
A ORIGEM DA RAÇA HUMANA (Katherine Mac Lean) – em “Outsiders: children of wonder”, antologia, organização de William Tenn, Permabooks, Garden City, N.Y., 1954.
Um neurocirurgião conta numa carta a sua dúvida existencial: operando o cérebro de um menino de doze anos que aparentava ser um retardado mental. O médico descobre uma anomalia assustadora que dava a entender tratar-se de um ser sobre-humano. O cirurgião retira a parte anômala, o garoto passa a se comportar normalmente. E o médico fica tomado de remorsos. Não engoli bem essa história...
QUANDO O RAMO SE QUEBRA (Lewis Padgett) – Street e Smith Publications, Nova Iorque, 1940.
Texto um pouco mais longo, bastante irônico e divertido. Um dos melhores do volume. Conta a desventura de Myra e Joseph Calderon, um casal norte-americano de classe média, com um filho bebê (Alexandre), que sem mais nem menos tem que aguentar as visitas de quatro sujeitos baixinhos e cabeçudos, que lhes parecem duendes, e que alegam vir do século 25 com uma missão muito especial. Alexandre era um mutante destinado a dar início a uma raça super-humana; seria virtualmente imortal e ele próprio mandara os “duendes” ao passado para lhe proporcionar insumos que iriam acelerar a sua evolução.
A partir daí a vida do casal transforma-se num caos hediondo. Logo o bebê estará falando e demonstrando a maior arrogância com os pais, fazendo tudo quanto é exigência e revelando uma personalidade insuportável. A coisa vai num crescendo que mantém o interesse de leitura até o final.
PRIMEIRO CONTATO (Murray Leinster) – Street and Smith Publications, inc. – Editor John Campbell, Jr., Berkeley Publishing Corporation, New York, EUA.
Ficção científica em estilo clássico assinada por um monstro sagrado da FC norte-americana da era dourada, esta noveleta ficou célebre em sua trama que narra a aventura da cosmonave terrestre Llanvabon, que num distante futuro, navegando pela Nebulosa do Caranguejo, encontra uma nave desconhecida proveniente de outro mundo, de localização também desconhecida. Desde o início, apesar do desejo de selar amizade no interesse das duas raças, os comandantes de uma e outra nave só conseguem enxergar que não podem confiar um no outro, ou uma espécie na outra, e por conseguinte a única solução existente para cada nave — e isso é repetido várias vezes no texto — é destruir a outra. Pior ainda: uma raça, por uma questão de sobrevivência, deve localizar o planeta de origem da outra, para atacá-lo e exterminar completamente a raça alienígena. Portanto teria de haver um confronto, não por ser desejado, mas por não haver outro jeito.
Como se vê, um ponto de vista bem ateu.
Afinal o oficial Tommy Dort tem uma ideia que pode salvar a situação, evitando o conflito estúpido que se avizinha.
Esse conto (aliás muito bem escrito) teve as suas premissas contestadas pelo autor soviétivo Ivan Efrémov, que escreveu em resposta a novela “Cor Serpentis”, que questiona o belicismo da obra de Leinster.
OS FILHOS DE ANAÍTA (Natália Correia) – deduzo pelo nome da autora e pela ausência de informações sobre a edição original (mas por que nem no prefácio se diz nada?) que Natália Correia é portuguesa e seu conto está sendo lançado na antologia.
É um texto muito divertido onde um poeta vive na distopia onde os poetas não afinados com a ideologia do regime são condenados à morte ou ao cárcere. Mas aí uma misteriosa raça alienígena projeta uma luz especial na cidade e os indivíduos coniventes com o sistema viram todos sáurios, ou seja, jacarés, crocodilos, aligátores etc. Mas continuam falando e agindo como seres humanos.
A metáfora moral contida nessa história é deliciosa em sua lógica do absurdo.
O FATOR GENÉTICO (Romeu de Melo) – outro autor lusitano. O conto fala de um professor alienígena explicando aos seus alunos como e porque a civilização terrestre se auto-destruiu. Infelizmente a história é por demais hermética e a tal “explicação” é incompreensível.
“SORRINDO” (Theodore Sturgeon) – em “Best SF two”, organizaçaõ de Edmund Crispim, Faber Editions, Londres-Inglaterra, 1964.
Assinado por um dos monstros sagrados da ficção científica norte-americana, este longo conto chega a ser um pouco maçante mas é válido, como a marca de qualidade do autor de “Viagem ao fundo do mar”. É a conhecida fórmula da vítima que se torna algoz e vice-versa, com uma trama bem estranha, focalizada em dois ambientes, e que se esclarece só na parte final, de forma irônica.
O SEGREDO (Wilmar Shiras) – “Outsiders: children of wonder”, organização de William Tenn, Permabooks, Garden City, Nova Iorque, EUA, 1954.
Conto bem longo e algo cansativo. Um psiquiatra bom samaritano descobre que um garoto de 13 anos, que mora com os avós e é órfão de pai e mãe, carrega um segredo que o deixa permanentemente tenso e amedrontado. Ele é um gênio, mas para evitar perseguições finge ser um menino normal, sem nada de especial. Ele aprendeu a ler com apenas três anos mas, ao tentar convencer disso a avó, levou a maior sova. A partir daí aprendeu a dissimular.
A ideia é interessante mas esbarra com uma série de inverossimilhanças, como por exemplo conseguir publicar contos e artigos em revistas, sob pseudônimo, e ainda receber pagamentos, sem que os avós percebam; e corresponder-se com um monte de gente pelo mundo, utilizando uma caixa postal. Parece até a Serena escondendo dos pais que é a super-heroína Sailor Moon da qual todo mundo fala. Agora, o drama do garoto dá para entender.

Rio de Janeiro, 13 de março a 16 de junho de 2018.