Em "Uma vida", Maupassant desconstrói

EM “UMA VIDA” MAUPASSANT DESCONSTRÓI
Miguel Carqueija

Muitas pessoas desprezam os romances de gênero — policial, ficção científica, terror, fantasia, por exemplo— mas quando a gente vai conferir os chamados clássicos do “mainstream” depara frequentemente com narrações deprimentes com personagens que se desconstroem, ou seja, se auto-destroem.
“Uma vida” conta a história de Joana, filha do Barão Simão Japres Le Perthuis des Vauds, na França do século XIX, desde que ela tinha 17 anos, em 1819.
O barão e a baronesa, esta chamada Adelaide, criam a filha com mimo mas acabam indo morar na herdade Álamos, onde havia pouco espaço para a vida social, e a casam com um vizinho bem apessoado, Julio, um aristocrata. Sem saber sequer o que era sexo por causa dos tabus vigentes, a jovem tem o maior choque na noite de núpcias. A partir daí é um rosário de sofrimentos com o marido infiel, depois o filho estroina.
A nota biográfica colocada pela editora esclarece que Maupassant (1850-1893), embora elencado entre os autores naturalistas, nunca seguiu à risca a escola de Zola. Sem dúvida por isso ele acaba acenando com um destino melhor para Joana, sem chegar à tragédia absoluta, depois de tirar filho e marido de seu caminho.
Pena que Maupassant siga o anticlericalismo muito comum em romancistas franceses daquele tempo, pois os dois padres que aparecem, um é descarado e relaxado, outro feroz e sectário, até violento, pois chega a jogar pedras num casal que passava na via pública, por julgar aquilo uma indecência. Ora, na vida real os padres não são estúpidos e intratáveis como vistos nesses romances, mesmo que tenham os seus defeitos.
O livro porém é bem escrito e a gente vai lendo para ver o que acontece, apesar de toda a tristeza.
Resenha do romance “Uma vida”, de Guy de Maupassant. W.M. Jackson Inc. Editores, São Paulo-SP. 1964. Título original: “Une vie”. No mesmo volume o romance “Pedro e João”, do mesmo autor.

Rio de Janeiro, 6 de julho de 2018.