A narrativa ágil e/ou lenta no romance Os incontestáveis
Em seu romance Os incontestáveis, Saulo Ribeiro desafia lógicas da narrativa contemporânea em pelo menos um aspecto: a velocidade da narrativa. Explicamos. Em capítulos curtos o livro abre janelas para uma percepção fragmentária da realidade a meu ver importando menos onde se situa historicamente o romance que não é um romance histórico, e sim um abrir janelas para os olhos pensarem a construção do país a partir da modernização conservadora ocorrida no ciclo dos governos militares, a partir de olhos emprestados por dois homens jovens Maurício e Belmont, cheios de saudosismo em relação a um automóvel metaforicamente construído como significante de um tempo que se ausenta, carro que pertencera ao pai ausente, não só por já ser um homem referido como morto, mas por representar um problema mais universal: o diálogo do tempo interior com o tempo presente em um momento da história da humanidade em que o conceito de eterno presente começava a ser construído. Conceito que se reporta à vida instantânea de grande parte da juventude do Brasil e do Mundo, daí a universalidade do romance, em que o homem contemporâneo vive o instante sendo poucos e raros os que usufruem da experiência pregressa em função da cultura momentosa forçar o olhar de forma conspícua para o imediato.
E a procura difícil entremeada por muitas tentativas de ir buscar o Maverick em um Opala amarelo onde quer que esteja após ter passado por muitas mãos faz com que a cada parada devida a ultima informação de onde o carro possa estar se abra uma janela da realidade brasileira seja relativamente aos costumes em extinção ou ao oportunismo político levado ao extremo, que veio levar ao Brasil de hoje, não só por consequência da manu militari.
Ítalo Calvino e Umberto Eco, coincidentemente italianos, escreveram ensaios interessantes sobre a velocidade da narrativa, o primeiro no livro Seis proposta para o próximo milênio, escrito no século passado, e o segundo no livro Seis passeios pelos bosques da ficção. Calvino nos fala da narrativa rápida, infensa a detalhes como a estratégia dos escritores em face de a falta de tempo dos leitores, falta de tempo real e construída a partir de um real então ainda inusitado para a maioria das pessoas de meia idade quando foi publicado seu livro. Quando os olhos passam rápidos e nem sempre o coração sente o que foi escrito. Tem a tese, a nosso ver acertada, de que textos de fluxo rápido seriam os mais adequados aos leitores do Terceiro Milênio. Eco por sua vez fala da narrativa lenta, cita o livro A montanha mágica de Thomas Mann como o maior exemplo da narrativa lenta, de fato, o primeiro dia de Hans Castorp em um sanatório nos Alpes suíços só termina de ser totalmente narrado lá pela altura da centésima quadragésima página.
Do ponto de vista narrativo, o romance Os incontestáveis, de Saulo Ribeiro, tem o mérito de em prosa contemporânea ágil ser uma prosa lenta por conta da demora não usual e aqui propositada de não haver um desenlace imediato da trama e um ritmo de aventura que se espere de um romance Road movie ao mesmo tempo em que dentro da aventura do texto as janelas de uma realidade se abrem. O livro tem como tema o conflito entre o passado e o presente em estado de doente terminal. Sua universalidade é essa. Não se dirá aqui se o carro objeto não de um fetiche saudosista vai ser recuperado ou não pela dupla Mau e Bel, Maurício e Belmont, o que se diz aqui é que o livro mostra que tal conflito entre o passado que as pessoas não querem ou não tem tempo para lembrar, pensar, e o presente existe, mas não é visto. Há uma alienação do momento histórico no eterno presente! Eterno presente de flashes rápidos dispostos de forma lenta, lentidão paradoxalmente prenhe de uma ansiedade sem fim, ansiedade que torna a narrativa ágil em lenta e vice-versa dentro de um grande e inusitado romance.
Fabio Daflon
Enviado por Fabio Daflon em 23/08/2018
Reeditado em 25/08/2018
Código do texto: T6427350
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