Lovecraft: "A tumba"

LOVECRAFT: A TUMBA
Miguel Carqueija

Resenha da coletânea “A tumba e outras histórias”,por H.P. Lovecraft. L&PM Pocket Editores, Porto Alegre-RS, 2013. Tradução de Jorge Ritter. Capa: Marcos Cena. Título original: “The tolb and other tales”.

Autor considerado exemplar na literatura de terror e também de ficção científica, o norte-americano Howard Phillips Lovecraft (1890-1937), natural de Providence, Rhode Island, deixou uma obra extensa e precocemente iniciada. Seu estilo tem afinidades com o de Edgar Allan Poe; Lovecraft, porém, derivou para uma especialidade: a recorrência ao universo por ele criado dos Grandes Antigos, seres poderosos e demoníacos vindos de outras dimensões em passado remoto. Perpassa a obra de Lovecraft a ideia perturbadora de um mal onipresente e que pode se manifestar em qualquer lugar, e sobre o qual as pessoas ou ignoram ou tendem a se apavorar e enlouquecer, mas nem cogitam reagir ou combater. O que é estranho — de fora do mundo ou da humanidade — é visto como blasfemo, maldoso e aberrante.
Que estranho processo psicológico terá gerado essa xenofobia cósmica do autor? Todavia sua contribuição é inegável, ele praticamente criou o conceito de “terror cósmico”.
“A tumba” conta a história de Jeroes Dudley, homem obcecado por uma misteriosa cripta na floresta e que narra sua desventura na primeira pessoa — recurso comum em Lovecraft, como antes dele em Poe.
“O festival” — um homem dirige-se da fictícia cidade de Arkham para a também fictícia Kingsport, afim de participar de um festival que mantinha tradições dos seus antepassados. Lá descobre coisas monstruosas, que o horrorizam. O conto tem um “que” de inverossimilhança pela maneira algo forçada como introduz o “horrível e indizível” juntinho da civilização citadina e materialista.
“Aprisionado com os faraós” é assinado junto com o célebre mágico Harry Houdini. Este, numa viagem ao Egito, teria sido sequestrado para um inimaginável subterrâneo onde assiste inacreditáveis horrores, onde não falta uma procissão de seres híbridos, como homens com cabeça de hipopótamo ou crocodilo.
Note-se que embora absurdas e insistam na ideia de horrores ocultos da humanidade mas convivendo na Terra, as narrativas de Lovecraft são escorreitas, são muito bem escritas mesmo.
“Ele” fala sobre uma vingança de índios séculos após o seu assassinato. É bem surpreendente.
“O horror em Red Hook” conta sobre um policial Malone, que investiga sobre um homem misterioso que recebe imigrantes igualmente misteriosos. Este conto é terrível.
“A estranha casa que pairava na névoa”: um forasteiro que elucida o mistério de uma casa situada no alto de um grande rochedo. A ação se passa em Kingsport novamente, e comparece “O velho terrível”, personagem de um conto homônimo de Lovecraft.
“Entre as paredes de Eryx” é uma notável ficção científica que fala no drama de um colono terrestre que se perde num labirinto de Vênus. Uma história obsedante, perturbadora, que não se esquece facilmente.
“O clérigo diabólico” é um conto curto e meio que arbitrário, não me convenceu. O fenômeno que acontece é por demais gratuito.
“A fera na caverna” é narrativa precoce, da adolescência, mas bastante madura, com um final-surpresa irônico.
“O alquimista” trata de uma maldição de família, onde os membros de certo clã morriam aos 32 anos. Porém era maldição artificial, pois o homem que a lançou é que tinha de executar as vítimas, e para fazê-lo ao longo das gerações conseguiu obter o elixir da juventude. Então não era realmente maldição...
“Poesia e os deuses” é grandiloquente, mitológico, sem grande interesse.
“A rua” — o autor dá personalidade a uma rua, vista através de gerações. Bastante original.
“A transição de Juan Romero” — um mistério passado numa mina, no oeste norte-americano. Ainda aqui a sugestão de que coisas tenebrosas se ocultam nas entranhas do planeta.
Restam os fragmentos, “Azathot”, “O descendente”, “O livro” e “A coisa no luar”, esboços encontrados nos papéis de Lovecraft, que soam como curiosidades.

Rio de Janeiro, 22 de julho de 2018.