Carl Von Clausewitz em seu livro Da Guerra escreveu que no curso do conflito o ar é viscoso e a ameaça pode vir de qualquer lugar, isto é, o inopinado está sempre por acontecer. Mesmo diante do que possa ter sido planejado tudo pode acontecer. Transfiramos para a vida pessoal e para o psiquismo, onde também ocorrem grandes conflitos, pois grandes romances podem ser escritos na mesma importância e grandeza (no sentido de grande mesmo: muitas páginas, com ou sem magnitude) como é o livro de Clausewitz em sua magnitude, e verificaremos que a paranoia em certas condições é uma normalidade essencial, que se vivida com lucidez pode em muito ajudar a sobrevivência. Para isso há que se viver a paranoia, que em sua condição sã é a de saber do extremo perigo com lucidez, mas para tanto é importante saber que de onde vim foi para onde alguém me levou em determinado momento, para onde fui é para onde tomei pé do caminho de forma claudicante ou não, a partir do que se saberá que o destino poderá ser estólido ou não em alguma medida, quando a ambiência violenta em que vivemos no Brasil e no mundo não der algum golpe fatal em fulano ou beltrano. Sabermos para onde fomos levados desde o nascimento até podermos tomar pé do nosso próprio caminho implica em perdas, decepções no âmbito pessoal ou social, a essas conquistas e derrelições da vida chamamos de ontogênese (formulação da experiência). O romance de estreia de Fernanda Nali, sob o título Territórios Inominados, sem carregar nas notas autobiográficas, nos fala desses territórios de percursos, nos fala em que contingenciamentos esse percurso se deu, antes de revelar qualquer nuance mais delicada do desejo e do amor. Amor e desejo que procuram se situar numa territorialidade que tenha nome, apesar de continuar viscosa em relação ao ar que se respira. Em um texto onde as manifestações de erudição são muito mais com outros linguajares redivivos no texto da autora, o que faz que as palavras não consigam cair no vazio do pedantismo. Curioso notar que há vinte e um capítulos no livro e que o território nominado do ponto de vista toponímico é o Espírito Santo. Não sei se a autora escreveu o romance com a numeração do último capítulo do livro a se reportar ao século XXI. Mas ao afirmar que tudo continua, ela se reporta ao futuro que está sendo construído neste instante. Em um século ainda muito jovem, pueril, embora habite o tempo de um mundo secularizado e decadente em muitos aspectos. O fato é que o amor, ao se fazer presente, parece ter a função de elo entre os três tempos: passado, presente e futuro, dentro de uma pureza de texto que traduz um caráter, isto é, um projeto de etos social mais digno onde este amor manifestado e tratado de forma poética ainda é o reduto íntimo a partir de onde todo o carinho manifesto pelo mundo hostil parece ser a única forma de esperança. Outros livros tentam com sucesso delimitar essa territorialidade do que é o homem e a mulher capixaba. Cito aqui O capitão do fim de Luiz Guilherme Santos Neves, A capitoa de Bernadette Lyra e mais recentemente o livro que virou filme Os incontestáveis de Saulo Ribeiro. O livro de Fernanda Nali não é um romance com uma história clara, é um romance escrito com clareza, em prosa contemporânea, como foi também escrito o livro de Bernadette Lyra, mas é um livro talvez com a intenção de lanterna a iluminar também o tempo presente e que ao fazê-lo de uma forma pessoalíssima, ilumina também as margens do passado e do futuro. E não seria o presente apenas um rio a correr entre as margens do passado e do futuro? Creio que sim. Mas a arte, paradoxalmente, abole a noção de eterno presente, isto é, ninguém é só o aqui e o agora, como muita gente tenta ser ou como tentam fazer muita gente ser. A arte é o que fica, é o que permanece, é o que daqui a mil anos estará presente, nem que seja apenas presente nos livros da história da literatura do Espírito Santo. O livro de Fernanda Nali desde o seu lançamento abriu os estudos da territorialidade biopsicossocial espírito santense, pois informa e instiga o leitor a querer saber mais sobre a sua terra de nascituro ou não, pois antes de tudo fala também de um país chamado Brasil.
Fabio Daflon
Enviado por Fabio Daflon em 07/01/2019
Código do texto: T6545184
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2019. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.