O fim de um ciclo repetitivo

Com seu livro História meio ao contrário, Ana Maria Machado nos brinda com uma trama repleta de sensibilidade e inteligência. A trama, já no começo, mostra que não será como as histórias normais de contos de fadas, pois começa de onde estas costumam terminar, com um: "e foram felizes para sempre".

A história começa contando a vida de um rei, uma rainha e sua filha, a princesa, que vivem felizes e tranquilos no palácio até o dia em que o rei, contrariando seus hábitos, resolve ficar admirando o dia e as paisagens do seu reino, descobrindo um fenômeno que, até então, nunca vira: o anoitecer. Como não entende o acontecimento, o rei conclui que um ladrão roubou o dia e ordena que se descubra quem é. Após muitas investigações, descobre-se que é um dragão que esconde o sol até o dia seguinte, quando o libera de novo. O rei resolve anunciar que, quem matar o dragão, terá a mão da princesa em casamento. História meio ao contrário, além de começar por onde outras terminam, também inova ao apresentar o ponto de vista das pessoas do povo, gente que vive nas aldeias e não encerrada num castelo e, por isso, sabe como as coisas funcionam. Ao invés de ver o dragão como um monstro, entendem que ele é útil para manter o equilíbrio natural das coisas e resolvem ajudá-lo. Para isso, procuram um gigante que vive nas montanhas para que este os aconselhe.

O príncipe que aparece para matar o dragão não é movido pelo desejo de casar com a princesa, mas de se afirmar e provar a si mesmo que é capaz de fazer alguma coisa, visto que todos fazem tudo por ele. Por causa disso, ele vive entediado e deseja encontrar um desafio que o obrigue a provar seu valor.

O rei representa uma figura autoritária. Por viver num castelo, afastado da vida real e das suas obrigações práticas, ele não tem contato com o mundo externo e é muito ignorante, querendo que tudo funcione conforme seus caprichos. O castelo, por sua vez, simboliza um mundo fechado. Todos os que vivem nele acabam isolados e não acompanham os acontecimentos da vida.

Um personagem importante da história é a princesa, que, no começo, era apenas uma criança inexperiente e amedrontada que não sabia como agir ao descobrir o fenômeno do desaparecimento do dia mas, ao ver que ele sempre voltava, amadurece por ver que existiam muitas coisas além do mundo limitado em que vivia encerrada, tomando consciência de que a sua vida não precisava seguir a mesmice das princesas que casavam e viviam felizes para sempre. Ao se entender como um indivíduo com vontade própria e poder de decisão, a princesa resolve romper um ciclo infindável, decidindo escrever sua história e partindo numa jornada.

Já o príncipe, que não tem mais vontade de matar o dragão e casar com a princesa, apaixona-se pela pastora e arruma um trabalho, encontrando um modo útil de passar o tempo.

Quanto ao final, o livro termina com "Era uma vez...", dando a entender que o destino dos personagens não está definitivamente estabelecido. Suas existências, assim como as nossas, mudam todo dia, pois sempre se pode mudar as trajetórias.