Blues for Mr. Name ou Deus está cansado e quer morrer. Reinaldo Santos Neves –. Editora Patuá – 2018.

Moda significa o que ocorre agora, modernismo é o antepenúltimo período conceitual da literatura, pós-moderno o estilhaçar do modernismo por ecletismos de movimentos culturais nem sempre duradouros, hoje, em termos literários somos contemporâneos, em futuro próximo quem escreva com qualidade pode vir a ser extemporâneo, pois a arte da escrita poderá não existir no futuro.

O romancista e contista Reinaldo Santos Neves nos fala do que ocorre agora, momento histórico em que a pornografia esculhambou com a devassidão, e cria uma heroína cuja missão é a de dar uma morte assistida a deus (eutanásia), quando para retratar a realidade o mais justo de acontecer seria deus morrer em mistanásia! Mas o autor é generoso com deus. A heroína Kate Whishaw é auxiliar de veterinária, sua missão é a de ajudar deus a morrer, deus está cansado e deseja morrer.

Mas cada personagem do livro está relacionado a algum problema da atualidade: há uma grande empatia de grande parte das pessoas em relação aos animais domésticos ou mesmo silvestres ou selvagens que é maior que a que possam nutrir por seres humanos. Não seria apenas irônico recomendar a certas esposas para tratarem seus maridos como se fossem seus cachorros porque ser humano também é gente!

Reinaldo Santos Neves em seu romance Blues para Mr. Name nos diz do caos em que se encontram as relações humanas no mundo hodierno, onde o corpo ao simbolizar a ausência de trocas simbólicas reais entre os personagens é capaz de vir a se tatuar ao ponto de o corpo parecer uma jarra chinesa itinerante e perdida.

Esperançosamente escreve trechos em que seus personagens possuem intertextualidades com personagens transmissores de experiências literárias e humanas comuns nas narrativas do passado, alguns desses personagens reassumem nomes como se houvessem reencarnado em figuras contemporâneas com nome que não os lembram, exceto para quem os tenham de alguma forma conhecido. Como se os novos personagens pudessem trazer experiências do passado ao presente, quando a geração atual não dialoga facilmente com as anteriores, na parecença de poderem prescindir de toda a experiência humana pregressa.

Não há flashbacks ou flashforwards, o espaço-tempo em que a narrativa flui é o sempre agora, mas como se trata da morte de deus tudo parece distante e próximo no qual deus vai morrendo no interior de seitas, rituais eróticos de purificação, menção a degeneração das essências e da essência. À vezes a sofisticada narrativa parece ser o roteiro de um filme medíocre (filme b).

Paul Ricouer, citado de memória, escreveu que Quando a utopia não dialoga com a tradição há crise. Mas temos a sugerir outra frase para traduzir melhor nosso mundo em que a distopia não conversa com a tradição e em que a utopia já morreu bem antes de deus ter sentido vontade de morrer, porém deixando sequelas e eventualmente cultuando-as. Parodiando a pichação das paredes no Maio de 1968 na França que dizia É proibido proibir, Norberto Bobbio escreveu a pérola: Tudo que não é proibido é obrigatório. É desse mundo que Reinaldo Santos Neves nos fala.

Por fim, em seu romance, o autor nos diz o porquê não existem mais poetas a cantar a beleza da mulher, com razões que vão além da androginia normativa foulcautiana e pós foucaultiana, confirmando a tese de Roland Barthes de que todo discurso é fascista, mesmo com normas novas ou novíssimas normas capazes de influenciar o pensamento das pessoas a partir da subjetividade e não do pensamento.

Belo romance, que exige do leitor muito fôlego de leitor, romance onde a beleza é impossível, porém inextinguível, seja pela qualidade da prosa ou pelo que transmite.

Fabio Daflon
Enviado por Fabio Daflon em 03/07/2019
Reeditado em 05/01/2021
Código do texto: T6687441
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