Velejando com José Mauro

VELEJANDO COM JOSÉ MAURO
Miguel Carqueija

Resenha do romance infanto-juvenil “O veleiro de cristal”, de José Mauro de Vasconcelos. Edições Melhoramentos, São Paulo-SP, 1973. Capa de Jayme Cortez.

O escritor carioca José Mauro de Vasconcelos, nascido no bairro de Bangu, escrevia com uma verve apropriada ao público de faixa etária mais jovem, tendo alguma afinidade de estilo com o grande Thales Andrade.
Este pequeno romance, por exemplo, encanta ao focalizar o drama de um menino que por suas deficiências físicas é rejeitado até por pai e mãe, amado apenas pela tia solteira, e apesar desta mensagem tão realista em prol dos excluídos, penetra num surrealismo de animais falantes, de estátua falante — coisas que só a criança vê e escuta — e chega mesmo ao chamado “loop temporal” ou “dejà vú”, o fenômeno em que as coisas que estão acontecendo na verdade já aconteceram.
O menino Edu, já no começo da adolescência, e sua bondosa e sensível tia Anna, são os heróis singelos da narrativa, além dos animais fantásticos como Gakusha, o tigre que é uma estátua mas que pode ser mover quando adultos não estão vendo, ou a depressiva coruja Mintaka (que na verdade, como ela própria esclarece, é um jacurutu) e o sapo Bolitró, que usa roupas.
À Mintaka o Eduardo conta sobre a sua doença — espinha bífica ou separada, anomalia que faz a cabeça crescer e acarreta a necessidade de aparelhos mecânicos nas pernas além de muletas.
As necessidades especiais geram dificuldades no dia-a-dia e ônus para os familiares, a quem — infelizmente também na vida real — com frequência escasseiam paciência e boa vontade.
Obra altamente recomendável pela mensagem, mais que pela fantasia que serve de veículo.

Rio de Janeiro, 15 de setembro de 2017.