Leon Tolstói e a educação das crianças

Leon Tolstói e a educação das crianças

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

É numa carta do escritor russo Leon Tolstói (1828-1910) que se colhe interessante percepção relativa à educação das crianças. O autor de “Guerra e Paz”, nessa carta, tratava da educação de seus netos. Tolstói pode nos orientar, como pais e educadores, no contexto da importantíssima missão do respeito para com a criança-educanda. A carta está publicada no livro “Os últimos dias”, editado pela Penguin Classics-Companhia das Letras, em tradução de Elena Vássina e outros.

Para Tolstói, o núcleo de uma boa educação consiste em se despertar na criança o senso de responsabilidade. Tolstói nos sugere poderosa concepção educacional na carta que endereçou a sua nora, Sofia (que chamava pelo diminutivo de Sônia). A epístola é datada de 1902. Tolstói se reportava a uma conversa que teve com o filho, Iliá, a propósito da educação de seus netos.

Tolstói lembrou à nora que concordava com a opinião de Iliá, no sentido de que “as crianças devem estudar o menos possível”. Para Tolstói, não era tão grave que as crianças crescessem “sem conhecer uma coisa nem outra”. O pior, segundo o escritor russo, é que pais e mães orientavam a educação das crianças, ainda que desconhecendo os assuntos que mereceriam ser estudados. Abuso de conhecimento, diria Pedro Demo, sociólogo aqui de Brasília. Segundo Tolstói, as crianças geralmente se aborrecem com os estudos porque são mal orientadas. Naturalmente, revoltam-se contra tudo que lembre a obrigação de estudar.

Essa intuição parece-me inteiramente válida, por exemplo, quando me recordo de como minha geração, educada na década de 1970, foi apresentada à literatura brasileira. Havia então um cânon dominante (que ainda é o mesmo), que à juventude era imposto, como obrigação pedagógica. Aos 10 anos liámos a prosa enfadonha do romantismo, nos perturbávamos com os regionalismos incompreensíveis de José de Alencar. Não entendíamos Machado de Assis. Assustávamos com o Cabeleira de Franklyn Távora. Éramos crianças. Nada entendíamos. A coisa mudava quando liamos Monteiro Lobato... Mas o mundo mudou e nós pais nos frustramos quando nossos livros não se estimulam na leitura do escritor de Taubaté. Que frustração uma História do Mundo para as Crianças deixada de lado.

A pedagogia vitoriosa, para Tolstói, teria como fundamento o despertar do aluno para o objeto do estudo. O educador que despertasse no aprendente o gosto pela matéria estudada já teria cumprido com eficiência a sua missão. Para Tolstói, a criança (e também o adulto) só aprende quando sente gosto pelo objeto de estudo. Exagerava, e lembrava que o estudo sem gosto resultaria em um terrível dano intelectual que transformaria as pessoas em deficientes mentais.

Para Tolstói, às crianças deve se ensinar que tudo que decorre de um esforço de alguém, e que um dia — quando adultos — deverão atender às próprias necessidades. Assim, segundo Tolstói “(...) a primeira condição para uma boa educação é que a criança saiba que tudo aquilo que ela precisa não cai pronto do céu, mas é o resultado do trabalho de outras pessoas”.

O mundo deve se revelar para a criança sem nenhuma metáfora ou fantasia. A vida real, afinal, não é apenas açúcar ou anestesia. A criança, segundo Tolstói, precisa entender que as pessoas que as servem, babás ou empregadas, por exemplo, o fazem sem prazer algum, profissionalmente, em troca de pagamento. Algo muito pragmático. Não se educam as crianças com mágicas. Tudo custa muito esforço.

A pior educação, a que marcará negativamente a criança por toda a vida, segundo Tolstói, é aquela na qual o educando não consegue entender o que se passa na realidade. As crianças devem, segundo Tolstói, o mais rápido possível, ganhar controle das próprias vidas, no sentido de que tomem conta de si mesmos, circunstância que lhes garantirá a liberdade e a independência futuras. Deve a criança viver uma catexia, em forma de investimento psicológico, possibilitando-se ligação com a vida, e com os desafios que há. É o conselho de Tolstói.

As crianças, insistia Tolstói, “fazem com prazer apenas aquilo que os pais fazem”; por isso, a importância do exemplo. As crianças devem estudar menos. Devem cuidar mais de si mesmas. Devem conhecer os bons exemplos, que desenvolvem a autonomia de que tanto necessitam. Tolstói recomendava à nora que acostumasse as crianças a todos os trabalhos da terra. Deviam cuidar de hortas, “ainda que essa atividade seja [fosse] uma brincadeira na maior parte do tempo”. Tolstói lembrava a nora de que “a necessidade de que cada um cuide de si mesmo e de que limpe o que suja é [era] reconhecida nas melhores escolas”.

Tolstói observava quão difícil era as crianças entenderem as palavras “liberdade” e “fraternidade” enquanto no mundo ainda existissem duas classes: senhores e escravos... É no exemplo que se educa. E o poder do exemplo também tocaria nas pequenas (mas não menos importantes) coisas e circunstâncias da vida. Conclusivamente, Tolstói recomendava que as crianças estudassem pouco, que fossem despertadas para o gosto da matéria estudada, que fossem induzidas a compreender o trabalho alheio, que entendessem o que os adultos fazem por elas, e os porquês do que fazem, que fossem estimuladas a terem contato com a terra, que fizessem trabalhos manuais.

Dos pais, Tolstói esperava que dessem bons exemplos e que procurassem dominar os assuntos que tratavam com as crianças. Essa a fórmula do grande escritor russo para que as crianças ganhem autonomia e independência, objetivos que educadores devemos obstinadamente perseguir, porque as crianças têm o direito de serem respeitadas por aqueles que as educam.

Arnaldo Godoy
Enviado por Arnaldo Godoy em 06/12/2019
Reeditado em 06/12/2019
Código do texto: T6812073
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