PRATICANDO A LIBERDADE – Marcelo Alves Cerdan  
 
Pela passagem do 13 de maio, último, fiquei tentado a notificar a presença do livro Praticando a Liberdade, em minha biblioteca,livro este que desenvolve um estudo sobre a escravidão em Itu na 2° metade do século XIX, escrito por Marcelo Alves Cerdan, e editado pela Ottoni Editora, em 2009, sendo nesta oportunidade uma revisão de sua dissertação de mestrado, apresentada ao Departamento de História da Universidade Federal de Uberlândia(UFU) em 2004.
Livro que dentre outros apoios, coube receber também o incentivo do CNAB (Congresso Nacional Afro-brasileiro) tanto a nível nacional, quanto na esfera de Itu, na pessoa de sua presidente Rita de Cássia Rodrigues de Araújo, e do COPITU (Conselho de Organização e Planejamento dos Festejos de Comemoração dos 400 anos da Estância Turística de Itu).
Mas, como comentar sobre algo com tamanha envergadura, sobre um período histórico, social, psicológico, que deixou marcas indeléveis em todos aqueles que passaram pelo regime de escravidão, e em todos os seus descendentes, tanto no Brasil, quanto nos países do mundo onde ocorreram tais práticas escravagistas?
Com o tomo em mãos, presente de Rita de Cássia Rodrigues de Araújo, não pude me furtar em pensar nos ensinamentos de Edgar Morin, na teoria dos pensamentos complexos, onde afirma que:
“É preciso reagrupar os saberes para buscar a compreensão do universo"
e assim:
"Devemos contextualizar cada acontecimento, pois as coisas não acontecem separadamente.”
Através do pensamento complexo, Morin procura restituir um "conhecimento que se encontra adormecido", reagrupando unidade e diversidade.
O pensador ressaltou, ainda, a importância do contexto histórico na formação dos cidadãos. O desafio da complexidade está exatamente na compreensão de "nossa comunidade de destinos".
Assim, imbuído deste conceito de uma “nossa comunidade de destinos”, pude adentrar mais confiante nas páginas de Praticando a Liberdade, de Marcelo Alves Cerdan, fato que não me impediu de encontrar obstáculos e desafios no decorrer da leitura posterior.
Corroboro, portanto com a ideia quanto a importância desta publicação em plena comemoração dos 400 anos de Itu, por apresentar uma página pouco conhecida de sua História: a experiência negra no passado escravista.
No prefácio desta obra Anicleide Zequini, atribui ao pesquisador-historiador o desafio de dar um significado ao passado, e pergunta onde esta este passado...
Como resposta aponta a possibilidade de se enxergar este passado através das metodologias desenvolvidas pela historiografia, considerando como suporte de informação tanto os documentos textuais e outros materiais, materiais que na falta de uma documentação séria e confiável permitem que enxerguemos o passado remoto.
Saliento que esta investigação historiográfica tem que suplantar as dificuldades de análise de um documento de época, carregado que é dos valores da sociedade que o produziu...
Assim, este livro Praticando a Liberdade, de Marcelo Alves Cerdan, é o resultado de um grande quebra-cabeça que demonstra algumas práticas de experiências escravas em Itu no final do período imperial.
Até o ano de 1888, uma porcentagem significativa da população, composta por homens, mulheres e crianças; passou suas existências ou, parte delas, na condição de escravo.
E este livro nos remete aquele universo, o do período escravista, com textos que nos levam a conhecer inúmeras histórias de vida e as vivências escravas, de indivíduos e suas famílias, moradoras dos espaços rurais e urbanos de Itu, SP.
Assim é salutar a contribuição da analise das experiências de liberdade no interior do cativeiro, as cartas de liberdade encontradas e, as estratégias de fuga como a formação de um Quilombo no sitio da Ponte, para enriquecer as discussões acerca do sistema escravista no Brasil e em especial para a região ituana.
Por este motivo, apresento, faço o registro desta obra Praticando a Liberdade, de Marcelo Alves Cerdan, apoiado, difundido por Rita de Cássia Rodrigues de Araújo, enquanto presidente do CNAB (Congresso Nacional Afro-brasileiro), dentre outros á época, do lançamento do mesmo, por apresentar também em suas 163 páginas um universo permeado, pois não poderia deixar de sê-lo, pelas relações estabelecidas entre escravizados e seus senhores e senhoras.
Em se apresentando estas relações, ficamos cara a cara com Cezario, Guilhermina,Vicente e Thereza, entre tantos outros, e para mim, leitor e comentador se mostra patente que neste período como em outros, períodos históricos e sociais, não houveram ganhadores ou perdedores, não houve apenas uma batalha entre bem e mal, entre certo ou errado, mas sim, a subjugação de todos a um sistema político, econômico e social onde todos foram e são afetados, subjugação que deplora o que há de melhor na raça humana, que faz a apologia da discriminação, onde por fim todos são perdedores, embora uns percam mais do que os outros... E quanto a possivéis ganhos, eles valem o sofrimento que infligiram a outros?
No mais, extrapolando o objeto desta leitura, fique também aqui registrado, que a meu ver a escravatura ainda perdura... Mudaram-se os tempos, mudaram-se os nomes, as correntes são outras, os castigos são outros, mas continuamos sendo reféns de outros homens... E seus esquemas e planos!
Por isso volto ao pensamento complexo de Edgar Morin e reafirmo:
"Por isso a coletividade é tão importante. Diante das batalhas cotidianas, estaremos juntos nas vitórias e nas derrotas".
E parafraseando este pensador eu afirmo:
“Nossos acertos e erros, surgidos desde os primeiros segundos do Universo, têm relação com cada um de nós, mesmo com aqueles que não tem responsabilidade quanto a eles”.
 
Edvaldo Rosa
www.sacpaixao.net
20/05/2020