O cachorro e o lobo

TORRES, Antônio. O cachorro e o lobo. Rio de Janeiro: Record,1997. 224p.

Antônio Torres é romancista baiano, nasceu no povoado de Junco, atual, Sátiro Dias, em 1940. Tem uma vasta obra literária traduzida em diferentes países, é autor da trilogia “Essa terra” (1976), “O cachorro e o lobo”(1997) e “Pelo fundo da agulha”(2006). No entanto, o olhar será para O cachorro e o lobo, o segundo livro da trilogia que tem o sertão baiano como cenário predominante.

O cachorro e o lobo tem como protagonista Totonhim, um nordestino que há vinte anos troca Junco, sua terra natal, por São Paulo, isso após o suicídio do irmão Nelo que havia feito essa mesma troca anteriormente. Esse deslocamento do sertão para a cidade grande, causa um rompimento entre Totonhim e toda a família. Sem notícias nem laços afetivos é como se fechasse uma porta que unia o presente com o passado.

O livro inicia com um telefonema de Noélia, irmã de Totonhim, chamando-o de volta para casa, uma vez que o pai, Sr. Antão, estava muito doente. E ouvir isso, foi um choque para Totonhim, na cidade grande, ele não tinha pai, nem irmã, até a esposa também havia desaparecido. Sabia que seu pai tinha acabado de completar 80 anos, mas não imaginava que ele estaria morrendo. E Totonhim volta a Junco após vinte anos da sua partida. Era hora do reencontro. “Eis-me de regresso a essa terra de filósofos e loucos, a começar pelo meu pai, que disso tudo tem um pouco”. ( A. Torres, p.7)

Que lobo ele encontra! Um velho lúcido, arteiro, que ainda aprontava e muito com os outros. Voltar a casa onde seu irmão havia se enforcado foi uma forma de Totonhim revisitar o passado. Perceber que a cidade estava decadente como antes, porém, com algumas antenas parabólicas, asfalto, e até um assalto aconteceu no dia que Totonhim retorna a Junco. “ Agora sou eu o que volta, sem festa nem foguetório. Pelo tempo em que estou à janela e pela rapidez com que as notícias correm neste lugar, já era para ter sido notado...” ( A. Torres, p 69)

Que cachorro! Como pode abandonar a família por tanto tempo? O protagonista é surpreendido pela astúcia da irmã. A mentira fez com que Totonhim percebesse que os laços familiares não podem ser rompidos pela distância nem o tempo de ausência. Mesmo que São Paulo não seja tão hospitaleira, Totonhim estava ali, disposto a participar do reencontro familiar. Talvez, numa tentativa de reencontrar-se também.

“O cachorro e o lobo” traz um pouco das nossas histórias nordestinas, pessoas simples que deixam o interior para o sonho da cidade grande. Lá, não é o Eldorado almejado. As pessoas sofrem, choram, sentem a dor da perda, da traição ou rejeição. Sair sem olhar para trás, como Totonhim, não significa fechar a porta para o passado, porque a qualquer momento essa porta poderá ser aberta de supetão ou devagarinho. E o passado é tão presente que não resta outra coisa a fazer, senão prometer um novo retorno, dessa vez, a saída é mais lenta, reflexiva e consciente. E assim, o cachorro sem dono, que vagueia na cidade grande, torna-se lobo, astuto e sagaz junto aos seus. Talvez, tenha aprendido as astúcias do velho lobo Antão, afinal, não é por acaso que se chama Antão Filho ou Totonhim, para nós, tão sertanejos quanto ele.

Elisabeth Amorim
Enviado por Elisabeth Amorim em 06/08/2020
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