O Apanhador no Campo de Centeio - J.D. Salinger

É quase impossível alguém curtir cultura pop e não ter, em algum momento, testemunhado alguma referência ao livro 'O Apanhador no Campo de Centeio', do americano J.D. Salinger. Com a primeira publicação lá em 1951 (uou!), se tornaria um marco para toda uma geração. E muito disso graças ao protagonista marcado por uma linguagem bastante desbocada. Aliás, é aqui que o livro ganha muitos pontinhos de interesse para um escritor café com leite: é um ótimo exemplo de caracterização do personagem através de um jeito específico (e natural e convincente) de falar.

<SINOPSE>

"É Natal, e Holden Caulfield conseguiu ser expulso de mais uma escola. Com uns trocados da venda de uma máquina de escrever e portando seu indefectível boné vermelho de caçador, o jovem traça um plano incerto: tomar um trem para Nova York e vagar por três dias pela grande cidade, adiando a volta à casa dos pais até que eles recebam a notícia da expulsão por alguém da escola. Seus dias e noites serão marcados por encontros confusos, e ocasionalmente comoventes, com estranhos, brigas com os tipos mais desprezíveis, encontros com ex-namoradas, visitas à sua irmã Phoebe -- a única criatura neste mundo que parece entendê-lo --, e por dúvidas que irão consumi-lo durante sua estadia, entre elas uma questão recorrente: afinal, para onde vão os patos do Central Park no inverno? Acima de todos esses fatos, preocupações e pensamentos, paira a inimitável voz de Holden, o adolescente raivoso e idealista que quer desbancar o mundo dos "fajutos", num turbilhão quase sem fim de ressentimento, humor, frases lapidares, insegurança, bravatas e rebelião juvenil. Um dos romances mais revolucionários do século XX, O apanhador no campo de centeio é a representação definitiva da juventude na literatura. O livro influenciou e marcou gerações de leitores com sua visão crua da adolescência, sua prosa ágil e desbocada e seu humor feroz e anárquico."

<RESENHA: O DESENCANTO DO MUNDO>

Para mim, o que mais marca no livro é sua leitura: é fácil e em agradável ritmo de aventura. Na verdade, lembra bastante um road movie: o protagonista passando por diferentes lugares e encontrando diferentes pessoas. E nesse aspecto (leitura fácil) méritos para a linguagem coloquial dentro de uma narrativa em primeira pessoa, que casou de modo bastante fluido.

Entretanto, não estamos falando de um livro qualquer. 'O Apanhador...' é um clássico, é referência, é uma obra que excede a si mesma. E por quê?

Meu processo de compreensão do livro envolveu mais de 10 anos e umas 5 ou 6 leituras durante esses 10 anos. E ainda acho que na próxima releitura vou pegar detalhes inéditos - seja em existência seja em aprofundamento.

O lance é que por trás da aventura de um adolescente desbocado está, sobretudo, uma mensagem sobre crescer. E não gostar de crescer. Ou talvez nem seja sobre crescer, mas sim sobre enfrentar um mundo adulto que se revela "porrista", "cretino" e "sacana", diria Holden.

Aliás, é muito interessante observar todas as passagens que envolvem crianças, ou então as menções à Jane: aquilo que permanece puro, intocado pela sujeira do mundo, é o que mais fascina e agrada Holden.

"Bem na minha frente caminhava uma família que, pelo jeito, estava vindo da igreja. O pai, a mãe e um garotinho de uns seis anos. Pareciam meio pobres. O pai estava usando um desses chapéus de feltro cinzento que o pessoal pobre usa quando quer ficar elegante. Ele e a mulher caminhavam despreocupados, conversando, sem ligar para o garoto. O guri era o máximo. Tinha descido da calçada e vinha andando pela rua, juntinho ao meio-fio. Fazia de conta que estava andando bem em cima de uma linha reta, como todos os meninos fazem, e cantarolava o tempo todo. Cheguei perto para ver se escutava o quê que ele estava cantando. Era aquela música "Se alguém agarra alguém atravessando o campo de centeio". A vozinha dele até que era afinada. Estava cantando só por cantar, via-se logo. Os carros passavam por ele zunindo, os freios rangiam em volta, os pais não davam a mínima bola para ele, e o menino continuava a andar colado ao meio-fio, cantando - "Se alguém agarra alguém atravessando o campo de centeio". Isso me fez sentir melhor. Deixei de me sentir tão deprimido." (O Apanhador no Campo de Centeio, p. 115)

E nesse sentido o livro é muito cativante.

Quem nunca se desencantou com algo? As hipocrisias e falsidades do dia a dia, esse caminho normal que é esperado que trilhemos...

Holden e seu deslocamento são, na verdade, nós e o nosso próprio deslocamento. E toda a carga emocional do protagonista, que reiteradamente se diz "deprimido pra burro", e que chora sem mais nem menos, é a nossa carga emocional - e que diluímos aqui e ali com pequenas doses de subterfúgios.

Mantendo em vista essa coisa de um mundo desencantando, ou de um crescimento que se revela porrista demais (e que te obriga a ser outro porrista), a gente entende, finalmente, o título do livro e o sonho do Holden: impedir que as crianças caiam no abismo.

Leitura ótima, agradável, rápida, e que a cada releitura se desdobra em pequenos detalhes antes ignorados. Vale ler, vale ter na estante.

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