A SHANGRI-LÁ DE LOVECRAFT

(ALERTA DE SPOILERS - CONTINUE POR SUA CONTA E RISCO)

Atenção! Para quem ainda não conhece Lovecraft, ou já ouviu falar dele, de seus grandes monstros e seus lendários textos sobre o cosmos, este NÃO é, com certeza, um livro para se iniciar em sua obra.

Enquanto a obra do Cavalheiro de Providence é reconhecida como precursora do terror moderno, À Procura de Kadath é, na verdade, uma obra com um teor diferente. Há, com certeza, elementos de horror e terror, inclusive repulsa, permeando todo o livro; no entanto, o que Lovecraft cria, aqui, é na verdade uma Dark Fantasy, com vasta influência de seu estudo de mitologia e civilizações antigas, e, por que não, com alguns elementos que influenciaram o steampunk décadas depois.

A presente edição traz seis contos, embora o primeiro, que dá nome ao livro, é quase uma novela - ou mesmo um mini romance. Somos apresentados, nestas páginas, a diversos aventureiros destemidos, cuja motivação é explorar o desconhecido, além do que jamais for registrado por outros seres humanos - mas o ponto chave, em comum, é o mesmo em todos eles: visões, vozes e presságios, todos eles ocorridos em estados de êxtase ou sonhos.

O que pode acarretar em mudanças impressionantes, na psique e na alma de seus personagens - de forma às vezes épica e heróica (como em À Procura de Kadath), trágica (Celephais), enigmática (A Chave de Prata) ou mesmo niilista e autorreflexiva. Claro, como é típico do escritor, também ocorrem surtos seguidos de estados alterados (A Nau Branca e A Estranha Casa), mas mesmo assim, nesse livro os personagens não passam, com raras exceções, por transformações tão drásticas (o exemplo aqui é Através da Chave de Prata).

Do ponto de vista da escrita, se prepare: Lovecraft coloca, aqui, praticamente toda sua experiência como narrador, e o resultado é insano. Mesmo sem longos fluxos de consciência, monólogos interiores ou afins, Kadath é um grande desafio. Lovecraft nos fornece narrativas longas, narradas na maioria em primeira pessoa, com um estilo grandiloquente e quase documental, que pode assustar os menos preparados - longos parágrafos com até uma página, descrições detalhistas de mundos ancestrais, intenso uso de adjetivos e advérbios para causar uma impressão sensorial através da descrição.

Inúmeros personagens nos são apresentados, desde seres alados (os esquálidos e os shantaks) até homens-polvo e seres que transitam entre homens e deuses (como Nodens). É preciso ficar atento para não se perder na leitura (falo por experiência mais do que própria...).

Em suma, em muitos momentos a obra me lembrou a obra de Tolkien; fãs do estilo épico com certeza irão se apaixonar pelas histórias, o que por outro lado também pode afugentar muitos outros. Para mim, o saldo é positivo; digamos que a criatividade de Lovecraft vale o esforço.

Indicado para: quem quer conhecer a faceta épica de Lovecraft; aqui, suas muitas qualidades e defeitos aparecem amplificados ao máximo. É difícil avaliar este livro, creio que uma releitura talvez seja necessária.

Nota: 9,0 de 10,0.

Dica - leia ouvindo isto: https://youtu.be/bzEYNsFC2gE