AMANHÃ VAI SER MAIOR - ROSANA PINHEIRO-MACHADO

(ALERTA DE SPOILER - CONTINUE POR SUA CONTA E RISCO)

Hipnotizante!

Rosana Pinheiro-Machado, aqui, nos ajuda a desvendar a atual situação do país, a forma como chegamos à eleição de Bolsonaro e a insatisfação popular que reina Brasil afora, além de nos fornecer dicas preciosas de como podemos resolver tal situação. A autora, que é pesquisadora de campo na área de ciências sociais, se vale de extenso corpo teórico, porém mantém o tom e o estilo da escrita bastante simples e acessível. O resultado é uma obra empolgante, que pode ser maratonada em um único dia (caso você esteja disposto a ler sobre o assunto), mas que nunca deixa de ser densa e agregadora do ponto de vista do conteúdo.

Rosana nos mostra as profundas mudanças sociais que aconteceram a a partir de 2008, com a crise internacional, e dos movimentos que se seguiram, como o Occupy Wall Street e a Primavera Árabe. Tais movimentos tendem a ser diferentes de outras épocas, sendo que são bastante descentralizados, e formados por grupos com interesses diversos, apesar de ter um ponto em comum: a maciça adesão aos protestos populares, e o uso da internet e redes sociais para conexão.

É a partir daí que uma profusão de movimentos sociais surge, inclusive no Brasil, como as Jornadas de Junho, a Revolta do Rolê, as revoltas dos caminhoneiros e muitos outros. O governo do PT, à época, e grande parte da esquerda brasileira não souberam lidar com tal situação, que foi logo liderada pela direita (com amplo investimento de empresariado e conglomerados de mídia). Daí, para a época das fake news e dos ataques polarizados na internet, foi um pulo, cujo momento principal acaba sendo a eleição de Jair Bolsonaro.

A história é bastante conhecida e já bastante divulgada; no entanto, o grande mérito da autora é dar a ela um tratamento inovador e detalhista, algo que ainda está muito longe de ser feito pelos setores mais tradicionais da política e do meio acadêmico. Pinheiro-Machado expõe que a maioria desses movimentos NÃO era necessariamente de esquerda ou direita, apenas que canalizavam a insatisfação popular da sua época. Em vários casos, a adesão ao espectro político se dá depois, principalmente com a chegada das eleições de 2018. Talvez não seja a comparação correta, mas podemos pensar numa árvore: por mais que seus galhos se afastem, sempre compartilham o mesmo tronco, e de uma mesma raiz. E são as raízes que Rosana Pinheiro-Machado busca. Ou seja, a polarização nunca foi o fim, mas sim um processo que poderia ser revertido, caso houvesse um trabalho consistente, um diálogo adequado com os setores engajados. O que aconteceu foi o contrário: a esquerda se enfraqueceu e não soube reagir, enquanto a direita tradicional naufragou - sendo substituída pela extrema direita, que ganhou força com uma rede de ódio.

Segundo, Rosana admite que, apesar dessa rede de violência na internet ter sido decisiva, o caráter da insatisfação do brasileiro deve ser entendido e analisado como tal. Muitos dos que votaram em Bolsonaro por exemplo, são extremistas; outros, porém, não. É preciso aprender a diferenciar esses dois tipos de eleitor, porque eles podem aparecer em qualquer espectro, e um é dialogável - apesar da atitude da esquerda ainda não ter mudado o suficiente.

O livro encerra de maneira sóbria - mas, ao mesmo tempo passional e emocionante: Rosana defende que, apesar de todo o retrocesso social dos últimos anos, também houve inegáveis avanços. Inúmeros movimentos surgiram, em relação aos negros, os LGBTs, às feministas, indígenas, que reivindicam de maneira incessante corrigir as injustiças através do país. Não deixa de ser interessante perceber que a inversão da ótica pode ser utópica, mas me levou a uma profunda reflexão: se Jair Bolsonaro tivesse sido eleito há 25 anos, será que ele causaria toda essa comoção na mídia? Seria ele visto como uma figura perigosa e tóxica, ou como só mais um político? Será que sua eleição causaria um retrocesso tão grande? Se a resposta é sim, devemos pensar em inúmeros políticos nos últimos anos que até hoje não foram punidos, e continuam se reelegendo. Se a resposta é não, isso significa que, como país, e sociedade, podemos ter falhado, mas não somos mais os mesmos.

Pelas inquietações e pela forma como me abriu a mente, não tenho dúvidas em dizer que, até o momento, este é o melhor livro que li neste ano.

Recomendado para: entender que nem tudo é uma causa perdida. O livro foi escrito antes da Covid-19, mas mesmo depois dela, suas questões ainda terão de ser encaradas.

Nota: 10,0 de 10,0 (é um livro tão incrível que até essa nota é injusta).

Dica: leia ouvindo isto - https://youtu.be/rGFsAecMCx4