"As Cem Linguagens da Criança" Parte I: Pontos de Partida

“As Cem Linguagens da Criança”

Resenha Parte I: Pontos de Partida

Alexandre José de Souza Puglisi ¹

Resumo: Trabalho realizado com o intuito de tornar sucinto os feitos pedagógicos de Loris Malaguzzi em relatos de pesquisadores referentes à abordagem adotada nas escolas da região de Reggio Emilia, Itália.

Palavras-chave: Educação infantil; Linguagens; Puglisi; Malaguzzi

¹ Graduando em Pedagogia, USP

Resenha

1. Aspectos Gerais

O livro “As Cem Linguagens da Criança,” contextualiza no cenário geopolítico, social, e econômico, o surgimento de uma nova forma de atuar pedagogicamente na educação infantil promovido pela iniciativa público-privada liderada pelo educador Loris Malaguzzi na cidade italiana de Reggio Emilia. Um conjunto unificado de suposições filosófica, currículo e pedagogia, método de organização escolar e desenho de ambientes com um foco sistemático sobre a representação simbólica. Este novo enfoque, oferece-nos novos meios de pensar sobre a natureza da criança como aprendiz, sobre o papel do professor, sobre a organização e o gerenciamento da escola, sobre o desenho e o uso dos ambientes físicos, e sobre o planejamento de um currículo que guie experiências de descobertas conjuntas e solução de problemas de forma aberta.

Para os educadores de Reggio Emilia, a reciprocidade, o intercâmbio e o diálogo são as principais características de uma educação bem-sucedida.

Por meio das “cem linguagens,” Malaguzzi coloca que a experiência imediata e tangível da exibição dos trabalhos cria um local de “condensação ininterrupta de centenas de experiências subjetivas e objetivas.” Também, dá enfoque que as crianças lá, são encorajadas a repetir experiências fundamentais, a observar e re-observar, a considerar e reconsiderar, a representar e novamente representar. Além desses pontos, ressalta que documentar sistematicamente o processo e os resultados de seu trabalho com as crianças serviria sistematicamente a três funções primordiais: oferecer as crianças uma “memória” concreta e visível do que disseram e fizeram no intuito de ter um ponto de partida para os próximos passos na aprendizagem; oferecer aos educadores uma ferramenta para pesquisas e uma chave para melhoria e renovação contínuas; e oferecer aos pais e ao público informações detalhadas sobre o que acontece nas escolas, como meio de obter suas reações e apoio. Nesse sentido, o trabalho de Reggio Emilia está sempre se renovando sendo aqui recusado pelos próprios educadores de lá o termo projeto dando lugar as expressões “nosso projeto” e “nossa experiência.”

2. O que Podemos Aprender com Reggio Emila?

Levantaremos aqui algumas das ricas e complexas práticas pedagógicas utilizadas em Reggio Emilia aplicados na primeira infância. Não efetuaremos a comparação com as práticas norte-americanas já que em sua maioria são opostas à Reggio Emilia ou, simplesmente, não se aplicam.

2.1 Trabalho com Projetos e Artes Visuais para Crianças Pré-Escolares.

Lilian Katz, demonstra o seu interesse pela inclusão de projetos no currículo para crianças dos 3 aos 6 anos. Sobre o ponto de vista da autora, o engajamento de crianças em projetos visa a ajudar as crianças pequenas a extrair um sentido mais profundo e completo de eventos e fenômenos de seu próprio ambiente e de experiências que mereçam a sua atenção. Aqui, as crianças são encorajadas a tomarem suas próprias decisões e a fazerem suas próprias escolhas, geralmente em cooperação com seus colegas, sobre o trabalho a ser realizado resultando, por hipótese, o aumento da confiança em seus próprios poderes intelectuais e reforça sua disposição de continuar aprendendo (Katz & Chard, 1989). Todavia, uma das grandes lições de Reggio Emilia é a forma como as crianças pré-escolares podem usar o que chamam de linguagens gráficas para registrarem suas idéias, observações, recordações, sentimentos. Podem usar muitos meios gráficos para comunicar as informações adquiridas e as ideias exploradas no trabalho em projetos e que podem fazer isto de uma forma muito mais fácil e competente do que se presume tipicamente em muitos outros países. O tópicos dos projetos normalmente são comuns ao dia-a-dia (“O que Acontece no Supermercado;” ou “Como as Casas são Construídas”), pois quando um projeto é muito familiar à criança, ela pode contribuir para o projeto com seu próprio conhecimento e sugerir questões a ser indagadas e linhas de investigação a seguir, podendo assumir a liderança no planejamento, assumir responsabilidades por observações específicas e por informações e pelos artefatos coletados. Este modo de trabalho contribui também pois, os estudos prolongados sobre determinados fenômenos dão as crianças uma experiência precoce de conhecerem, de entenderem um tópico em profundidade. Nos projetos, os professores assumem um tópico de valor imprevisível ou incerto. A disposição para explorar um tópico que pode não funcionar muito bem é parte de seu compromisso de experimentar e de explorar junto com as crianças que tipos de vivências e ideias podem emergir de uma situação.

2.2 Tratando com Seriedade o Trabalho das Crianças.

Em Reggio Emilia, a atenção com que as crianças tratam seus desenhos, aprende-se sobre os possíveis efeitos do trabalho das crianças sobre sua qualidade. Parecem que lá, as crianças abordam a tarefa de desejar o que quer que estejam estudando com disposição e assiduidade, pois estão acostumadas a usar seus próprios desenhos de campo para trabalhos adicionais, tais como a confecção de murais em grupo, esculturas, pinturas e outros. Os educadores de Reggio Emilia referindo-se a essas representações visuais como linguagens gráficas, falam sobre crianças que “leem” os seus próprios desenhos e o de outras crianças. Nesse sentido, os desenhos são lidos e relidos pela equipe de professores como uma base para o planejamento das próximas etapas na exploração do tópico.

2.3 Representação Realística e Imaginativa.

A extensa experiência das crianças de desenhar a partir de suas próprias observações não parece inibir o desejo ou a capacidade de desenhar, pintar, a partir de sua imaginação sugerindo que uma escolha “ou/ou” faz-se desnecessária. Este fato sugere que, experiências representativas não danificam, necessariamente, a competência ou o desejo de engajar-se em atividade que envolvam maior abstração. As linguagens visual e gráfica (arte visual) oferecem um modo para explorar e expressar o entendimento do mundo facilmente disponível à maioria dos pré-escolares. As crianças recebem orientações e direcionamento de como utilizar as ferramentas, os materiais e as técnicas de representação gráfica visual. Este ensino dá à criança o princípio subjacente a uma técnica ou abordagem sugerida aos materiais. Como resultado, aumenta as chances de a criança solucionar o problema quando o adulto não está próximo. A extensão da experiência precoce de expressar e comunicar suas ideias e observações visualmente durante os anos pré-escolares ajuda a explicar o nível inesperadamente alto de competência. Sendo assim, não há razões para se acreditar que os professores devem optar entre encorajar a expressão visual realística ou imaginativa como duas alternativas mutuamente exclusivas.

2.4 O Conteúdo do Relacionamento entre Professor-Criança.

Em Reggio Emilia, a extensão do conteúdo do relacionamento entre professor-aluno é focalizada sobre o próprio trabalho, e não sobre rotinas ou sobre o desempenho das crianças em tarefas acadêmicas. Um dos benefícios desta relação é que as crianças são engajadas em um trabalho excitante, que inclui tomar decisões sobre o que representar, como representar, como coordenar esforços e resolver visões conflitantes dos vários colaboradores de um projeto. O outro benefício seria que uma vez que a mente tanto dos professores quanto das crianças encontra-se em questões de real interesse para ambos, a mente dos professores também é engajada sendo os professores mais interessados em fazer sugestões, em ouvir atentamente ideias e perguntas das crianças, em encorajá-las para que respondam as ideias uma das outras e estão especialmente mais atentos ao risco de auxiliá-las exageradamente (Rabitti, 1992). O conteúdo do relacionamento entre professor e a criança é rico com a formulação e solução de problemas.

Estas hipóteses sugerem que um dos modos pelo qual podemos avaliar a qualidade de um programa pré-escolar é examinar o conteúdo dos relacionamentos entre adultos e crianças, evocando apenas minimamente regras e rotinas.

2.5 Impressão das Crianças Sobre o que os Adultos Consideram Importante

Uma hipótese sobre o tema é que as crianças de Reggio Emilia trabalham com tamanha seriedade pois sentem o que é importante para os adultos a sua volta. Elas têm algum nível de consciência sobre o que importa aos adultos, sobre o que eles consideram interessante, válido ou digno provar, dispender tempo e focalizar a atenção. Portanto, elas sabem que os adultos consideram o seu trabalho e suas ideias muito seriamente.

Uma lição importante das crianças, é que, quando os adultos comunicam um sincero e sério interesse pelas ideias das crianças em suas tentativas de se expressarem, um trabalho rico e complexo pode ocorrer, mesmo entre crianças muito pequenas.

2.6 Modelos e Metáforas para os Programas para A Primeira Infância.

2.6.1 O Modelo da Grande Família.

As escolas municipais de Reggio Emilia são modeladas de acordo com as grandes famílias e comunidades. Os prédios nos quais as pré-escolas funcionam parecem grandes casas. Uma proximidade quase doméstica é uma intimidade associada à vida familiar, o que é especialmente apropriado para crianças pequenas. As crianças permanecem com o mesmo professor durante os três anos do programa possibilitando que pais e professores formem relacionamentos fortes e estáveis uns com os outros, como se fossem membros de grandes famílias em pequenas comunidades onde todos se conhecem. Por sua vez, as classes são organizadas em grupos de idades mistas que oferecem ambientes mais similares aos da família do que seria possível com grupos homogêneos.

A natureza informal do currículo ajuda o trabalho cooperativo nestas classes com crianças de idades mistas. Isto cria uma atmosfera semelhante ao de uma comunidade. A flexibilidade dos horários ajuda a melhorar essa sensação. As crianças são livres para trabalhar e brincar sem interrupções frequentes e transições de atividades. O fato de as crianças assumirem responsabilidade por algumas das tarefas reais envolvidas na vida, reforça a atmosfera de vida em comum. Aplica-se então o conceito das grandes famílias pois caracterizam-se pela responsabilidade dividida, pela intimidade, pela informalidade e pela participação.

2.6.2 Empresas e Indústrias como Modelos.

Este modelo supõe uma visão funcional e padronizada da criança onde os seus cuidadores são substituídos na medida em que instituições concebidas nos modelos de fábricas assim o fazem.

Este por sua vez, é inapropriado na concepção de Reggio Emilia, pois durante os primeiros anos da vida das crianças, a estabilidade dos relacionamentos e a formação de vínculos entre elas e aqueles que as cuidam é altamente desejável e, talvez, essencial.

2.6.3 Otimização dos Recursos de Famílias e Instituições.

As instituições diferem das fábricas no sentido de serem desenhadas a servir as pessoas e as suas necessidades, e não apenas produzir bens padronizados. Os papéis de pais e professores também são distintos um do outro, idealmente, permitindo que cada um contribua de forma complementar, mas diferentes, para o crescimento, aprendizagem e desenvolvimento da criança (Katz, 1984). Uma pré-escola deve otimizar os benefícios especiais e essenciais da vida familiar para as crianças, e deve fazê-lo dentro das restrições e parâmetros essenciais à prática profissional e regulamentos institucionais. Em Reggio Emilia, há uma combinação ótima das qualidades dos relacionamentos em família e integridade das práticas profissionais por excelência de diversas maneiras. A primeira delas é a inclusão e envolvimento dos pais em virtualmente em cada aspecto do funcionamento da escola é deliberado e fundamental ao planejamento e operação das escolas pré-primárias. O envolvimento parental também é abordado no modo como o trabalho das crianças é exibido proporcionando um compartilhamento, um acompanhamento das experiências escolares reais. Uma outra, é a abordagem do currículo parece ser a de que as características, aptidões, necessidades e interesses de cada criança individual são examinadas e monitoradas por extensos registros e documentação. Por fim, a qualidade de vida e as dimensões afetiva e estética das pré-escolas em Reggio

Emilia sugerem que é possível otimizar-se as vantagens dos relacionamentos familiares e das exigências institucionais se uma comunidade está disposta e é capaz de apoiá-las financeiramente.

3.Considerações Finais.

Conforme registros, o exemplo de Reggio Emilia desenvolveu-se dentro de um contexto caótico e de crise mundial onde a iniciativa de educadores e cidadãos serviu de exemplo e inspiração para um novo momento na ciência do ensinar, na ciência pedagógica no que diz respeito à educação infantil.

Suas aplicações bem como os seus embasamentos teóricos devem ser ajustados caso a caso no que diz respeito à adequação as políticas educacionais e sociais de cada país.

Além do espaço escolar, coloca a família e a comunidade com os seus devidos papéis, como coadjuvantes cruciais na educação infantil elegendo também uma nova forma de lecionar um currículo mais informal e flexível; voltado as soluções das problemáticas do cotidiano priorizando a cooperação e o trabalho em equipe. Dá a devida importância à documentação minuciosa de todo o processo como base para o planejamento e melhor aprendizagem tanto por parte das crianças como também dos professores.

Bibliografia:

EDWARDS, Carolyn; FORMAN, George; GANDINI, Lella. As cem linguagens da criança: A abordagem de Reggio Emilia na educação da primeira infância. Porto Alegre: Artmed, 1999.