Guananira, Bernadette Lira. Editora Alápis. 2019

São poucos os livros capazes de provocar nos leitores a sensação de sonhar acordado, enquanto o livro é lido, cito de memória o Breve romance do sonho, do austríaco Arthur Schnitzler, as primeiras páginas de Harmada, do gaúcho João Gilberto Noll (sonho agitado) e o maior de todos os romances oníricos: Nome de Guerra, do português Almada Negreiros – um romance fábula – . Guananira, de Bernadette Lyra, tem o mérito de não sendo um romance, por ser um livro de crônicas, de ser um dos poucos livros capazes de fazer o leitor sonhar ou ter a sensação de sonho, no caso de Guananira de sonho profundo, sonho leve, onde a mente navega sobre nuvens que amparam o corpo, porque o oposto do pesadelo é o sonho leve, capaz de causar alegria e felicidade no dia seguinte ao sonho.

Guananira não é o único livro de autor capixaba, onde as linhas sejam como se fossem a partitura de uma canção de amor, que traz à tona a impressão de um texto imagético-afetivo de grande emotividade, são raros os autores que conseguem à partir da emotividade não serem piegas, a pieguice sugere uma insinceridade do amor ou uma incapacidade de amar.

Em Guananira não há insinceridade nem incapacidade de amar, e é com esse amor que a autora faz passeios por referências toponímicas capixabas, como o morro Mestre Álvaro, a sua Conceição da Barra, numa prosa leve, como se a terra amada fosse o próprio amor, amor que oferece sempre boa companhia, contentamento e alegria.

Talvez sonhar acordado seja a coisa mais linda que existe; sonhar acordado é a realização do sonho, realizar o sonho, mesmo como leitor, é a felicidade. Para Bernadette Lyra, Conceição da Barra é o doce ventre materno, de onde veio a ser nascitura sem angústia, porque a mãe foi e é doce. O Espirito Santo é o corpo dessa mãe terra. E Vitória é o coração capaz de ter tornado o ventre doce; difícil é escrever sobre o sonho, mas a autora, a partir da sua imensa capacidade onírica consegue.

Ao término da leitura o leitor se sente como que acordando, como se tomando posse de um amor toponímico onírico que lhe foi oferecido. Talvez a única exigência que o livro ofereça como limite de alcance é o de ser, principalmente, um livro para leitores que conheçam razoavelmente o Espírito Santo. Localizações conhecidas ajudam ao sonhador a saber onde foi o sonho, mas sabemos também de sonhos onde os sonhadores não conhecem onde o sonho aconteceu.

Sonho ameno e caloroso, Guananira é um livro para ser lido após um almoço frugal numa tarde de domingo, ou em qualquer tarde, como, por exemplo, aconteceu com este resenhista que é aposentado, o ideal é ler o livro num momento em que não se tenha nada para fazer depois, sim, o livro nos embriaga, no amor só é bebida a embriaguez, então, se ler não dirija imediatamente após a leitura, deixe o sonho alongar mais um pouco, até que o olhar demande novamente o corpo, - e que corpo! – agora mais leve! A olhar para alguma coisa prática que necessite ser feita.

Cronista, contista e romancista, a escritora Bernadette Lyra consegue, independentemente do gênero literário em que transite, provocar o amor a ser uma resposta às iniquidades do mundo, se o amor fosse obrigatório para os simples mortais o mundo seria melhor, fazer sonhar a partir da premissa do amor é atributo dos escritores excepcionais.

Como sempre, belo livro.

Fabio Daflon
Enviado por Fabio Daflon em 25/10/2020
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