Retrato da impunidade

RETRATO DA IMPUNIDADE

Miguel Carqueija

 

Resenha do livro “A arte do descaso”, por Cristina Tardáguila. Subtítulo: “A história do maior roubo a museu do Brasil”. Editora Intrínseca Ltda., Rio de Janeiro-RJ, 2016.

 

Este notável livro-reportagem escrito por uma jornalista jovem fala de um rumoroso caso de roubo de obras de arte: coisa que a gente vê mais em filmes e romances policiais. Conforme sintetizado na contra-capa e na orelha o caso ocorreu em 24 de fevereiro de 2006, quando um grupo de assaltantes armados (até com granada) invadiram o Museu da Chácara do Céu em Santa Teresa, no Rio de Janeiro (capital), renderam os guardas e levaram diversas telas: Dali, Matisse, Monet, dois Picassos — considerado o maior roubo de arte do Brasil e oitavo do mundo, isso em 2016; não sei se algo mudou posteriormente.

Os quadros, avaliados em mais de 10 milhões de dólares, não foram recuperados.

Tardáguila desfaz o mito muito comum do colecionador rico de obras de arte, como o Dr. No de um filme de 007. “No imaginário popular (...) o roubo de arte sempre começa na cabeça de um colecionador multimilionário que mantém em seu porão um verdadeiro museu para deleite próprio”. E cita o professor de criminologia holandês A.J.G. Tijhuis, que analisando 50 casos só encontrou um desse tipo. Existem outros perfis, como o dos cleptomaníacos (também raro), o dos ladrões de qualquer coisa, o dos que roubam para usar como escambo, o dos que cobram resgate, enfim.

A autora aponta falhas na investigação, com a delegada grampeando o telefone de um suspeito, escutado suas conversas e por carência técnica não as ter gravado. Era o motorista de uma kombi de transporte de passageiros que teria sido obrigado a transportar os ladrões por um trecho. Foi preso, mas solto por falta de provas; enquanto isso, dois franceses tidos como suspeitos não foram alvo do mesmo interesse nas investigações.

“Em 2015, o roubo era um caso sem rumo, e todos os movimentos do inquérito tinham o mesmo teor: a Polícia Federal pedia sucessivas prorrogações de prazo para a investigação, e o Ministério Público Federal as concedia. Decepcionada, me vi perdida, sem final para a história na qual mergulhara quatro anos antes.”

Assim, de reportagem criminal o livro evoluiu para um estudo sobre esse tipo de crime no Brasil e no mundo, ou seja o roubo de obras de arte, a lamentar que, no fim, muitas tenham sido simplesmente destruídas até para aproveitar a matéria-prima, isso no caso de esculturas.

Cristina Tardáguila revela bastante empenho na apuração dos fatos, na velha tradição de repórteres detetivescos:

“Quase um ano depois de mergulhar na história, fui à Justiça Federal, no Centro do Rio de Janeiro, e solicitei autorização para fazer uma cópia do inquérito aberto pela Polícia Federal para investigar o crime. Em alguns dias, devorei seus três volumes, com mais de setecentas páginas, e todos os apêndices que me haviam sido franqueados. Descobri que a investigação não só permanecia aberta, como não possuía qualquer rumo.”

Com certeza, falta aqui um Hercule Poirot, um Inspetor Maigret, ou um Sherlock Holmes!

‘ É um livro fora do comum e capaz de despertar muito interesse.

 

Rio de Janeiro, 28 de dezembro de 2021.