Um novo olhar para o Lago dos Cisnes

“Lago dos Cisnes” é um balé dramático composto por Tchaikovsky, sendo dividido em quatro atos. A primeira apresentação ocorreu na Rússia em 1877 e desde então a peça já foi apresentada em diversos teatros de todo o mundo, sendo uma das peças de balé mais reproduzidas até hoje.

Na peça, temos as imagens bastante tradicionais, primeiro o cisne branco, representado por uma bailarina vestida toda de branco, geralmente com detalhes de penas no cabelo e no vestido. A imagem tende a ser bastante delicada, com arranjos de penas ou flores sempre brancas e sutis. O cisne negro, por sua vez, possui uma maquiagem expressiva, com a pele muito clara que contrasta com o escuro dos olhos e dos lábios. A maquiagem é bastante marcante, sendo uma sombra escura sobre os olhos que se prolonga até os lados da face, junto de uma coloração também escura nos lábios. O vestido é negro, sempre com detalhes de penas distribuídas de forma não necessariamente uniforme. No cabelo, uma coroa ou tiara com pontas.

Para analisar o conteúdo que envolve a imagem dos cisnes é necessário levar em consideração o enredo da peça. O cisne branco representa a princesa Odette que apaixona-se por um príncipe, ela é transformada em cisne por uma maldição. A roupa vestida pela bailarina atribui à sua imagem uma ideia de pureza e bondade. O branco é tradicionalmente atribuído à pureza, assim como, por exemplo, no caso de um vestido de noiva, que deve ser branco para representar a virgindade da mulher que se casa. Esse cuidado faz com que ela tenha uma imagem de delicadeza e inocência. É importante também levar em consideração que, durante a representação, os movimentos do cisne branco são sempre delicados e guiados por outros bailarinos. Isso transmite a imagem de delicadeza como se ela precisasse de cuidados a todo momento, sendo delicada como um copo de cristal, que quebra com facilidade.

O cisne negro é uma impostora que, com ajuda de um mago, assume a forma de Odette, porém, mantendo algumas características próprias. Ela é representada sempre vestida toda de negro, com detalhes que podem ser relacionados à rebeldia, por não serem tão pontuais (por exemplo: as penas do vestido). Os detalhes do cabelo também passam essa imagem, sendo uma coroa ou tiara com pontas. Todos esses fatores criam uma imagem de rebeldia e talvez até maldade. A atuação do cisne negro deve ser sempre rebelde, com movimentos bastante irregulares e expressivos. Além disso, a presença de palco do cisne negro é um fator importante, ela deve ser sensual e expressiva, sempre dominando o palco e chamando as atenções. A cor preta também ajuda a criar uma imagem de rebeldia ou maldade, sendo associada à morte e ao luto. Esses detalhes do figurino somados à atitude da personagem atribuem-lhe uma imagem negativa.

É indispensável relacionar ambas as personagens, que são um contraste completo, uma representando a pureza e inocência e a outra a sensualidade e a rebeldia. Considerando o contexto da época, é possível dizer que essas personagens representam o ideal e o não ideal no padrão feminino, o que na literatura é tradicionalmente colocado como mulher-anjo e mulher-demônio. Essa é uma mulher sensual, rebelde e independente , enquanto aquela é um ser delicado, inocente e dependente. Uma é o perfeito contraste da outra. Pensando nos moldes da época, é possível perceber uma manipulação de sentido no fato de que a mulher virgem, inocente e dependente é atribuída à virtude, por isso é representada em branco, que é associado ao bom, ao puro. Enquanto isso, a mulher sensual e independente é atribuída ao pecado.

A partir dessa análise, é possível entender mais a fundo o jogo de manipulação de sentidos da peça, uma vez que o Cisne Negro, como já foi apontado, representa a mulher rebelde, ou seja, a ovelha negra, que se destaca do restante do rebanho. Dessa forma, pensando na sociedade machista onde essa peça foi concebida, é possível relacionar a liberdade da mulher com o pecado, com o infortúnio. Isso aponta o teor de machismo, misoginia e patriarcado que existe no enredo. É compreensível que assim seja, afinal, seria incoerente esperar que nessa época se tratasse a mulher livre como virtuosa, uma vez que era exatamente o contrário, tal como já foi comentado.

Mesmo assim, é interessante analisar essa construção porque é uma forma de identificar a cultura da época e quais eram os parâmetros sociais impostos às mulheres. Hoje em dia essa interpretação já não seria mais a mesma, uma vez que a liberdade feminina já não é mais totalmente apontada como um mal social. No entanto, a liberdade sexual do Cisne Negro (que é uma personagem que exprime livremente sua sensualidade) ainda é um tabu em determinados meios sociais. Isso mostra que muito do machismo e patriarcado dominantes da época de lançamento da peça continuam presentes na sociedade. Esse fato pode ser constatado porque o que liga as personagens às ideias de virtude e pecado não são somente os figurinos, mas principalmente a atitude e presença de cada cisne no palco. O Cisne Branco possui uma presença mais branda, sendo dominada pelos passos das personagens masculinas, enquanto o Cisne Negro exibe uma liberdade e sensualidade, sendo na verdade quem vai dominar o palco com sua presença, guiando toda a ação. Assim, se partimos para uma visão feminista sobre a peça, é possível afirmar que na verdade o Cisne Negro é um símbolo de liberdade de expressão, é por isso que a peça na verdade expressa machismo, porque a mulher livre é a vilã, que ajuda o mago a destruir a felicidade da mulher pura e recatada.

Mde Plessis Fille
Enviado por Mde Plessis Fille em 19/05/2020
Código do texto: T6951823
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