Haibun
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A palavra haibun é formada por hai, de haicai, e bun, que significa escritas, composições ou sentenças (Reichhold, 2002). Bashô praticava o haibun, considerado um de seus mais importantes trabalhos, adicionando nova profundidade ao que era escrito de forma humorística por outros de seus discípulos. Os primeiros exemplos de haibun são encontrados nas crônicas da história do Japão – The Kojiki. De acordo com Reichhold (2002), o haibun passou a ser praticado por autores americanos apenas nos últimos dez anos. No Brasil, essa prática é um pouco mais recente e tem despertado um crescente interesse entre uma pequena parcela da comunidade haicaista.

O haibun é um texto curto em prosa, seguido por um ou mais haicais. A prosa que antecede o haicai geralmente se refere a uma experiência vivida pelo escritor. Alguns autores de haibun preferem escrever a prosa de forma simples e direta, ou ainda compacta, curta ou telegráfica, omitindo verbos, pronomes e outros elementos gramaticais (Reichhold, 2002). O objetivo do haicai que acompanha a prosa é dar uma nova dimensão, provocar uma mudança de cena, voz ou tempo, tal como as duas partes de uma tanka. Um haibun também inclui um título e deve ser escrito no tempo presente. Ainda de acordo com a definição da Haiku Society of America, além de brevidade, um haibun pode conter até 300 palavras e haicais entremeados.

Entre as características do haibun reunidas por Higginson (1985) estão as quatro clássicas definidas por Makoto Ueda, um professor de Japonês da Universidade de Stanford, California, EUA, e grande estudioso e admirador de Basho:

Características do haibun:

1. Escrito em prosa, concluindo com um ou mais haicai;

2. Brevidade e concisão*;

3. Abreviado em sintaxe; palavras gramaticais, algumas vezes até verbos, são omitidos; uso deliberadamente ambíguo de certas partículas e formas verbais no lugar onde a conjunção “e” seria usada*;

4. Não explicação do haicai; a conexão entre a prosa e o haicai é feita de forma similar a da renga;

5. Imagístico*; relativamente poucas abstratações e generalizações;

6. Objetivo; o escritor é desvinculado*, mantém uma distância estética, mesmo quando se auto descreve;

7. Deve ser bem humorado e ao mesmo tempo adicionar um toque de seriedade e beleza.

Apesar de uma das características do haibun sugerir a desvinculação do autor no texto, isto é, não se auto-inserir na prosa ou haibun, nem sempre essa regra é cumprida pelos escritores. É comum encontrar em sites especializados sobre haibun, a presença do EU, em uma ou noutra parte do haibun. No segundo haibun dessa seção, optei por usar o "eu" lírico.

* Características do haibun de acordo com Makoto Ueda.

A seguir, mostramos um haibun escrito por Basho e traduzido por Tadashi Kondo (Higginson, 1985). Raku é um nome antigo para Kyoto; Rakushisha significa aproximadamente “Casa do Caqui Caído”; Kyorai é um discípulo de Basho.

Registro de Rakushisha

Qualquer que seja o nome de Raku, Kyorai possui essa casinha no mato de Shimo Saga, nos pés de Arashiyama, perto do igarapé de Oigawa. Esta área tem a conveniência de tranquilidade, um lugar para clarear a mente. Kyorai é um rapaz preguiçoso, a grama alta em frente da janela, alguns pés de caqui espalhando longos galhos -- as chuvas de junho sempre pingando, tatami e shoji com cheiro de mofo, nenhum lugar para sentar. Este brilho de sol, no entanto, é a hospitalidade do dono.

chuvas de junho...
da placa com poema apenas
as marcas na parede

Nesse haibun, Higginson explica que Basho troca o humor tradicional próprio do haibun para um elogio formal e sincero das virtudes do local. Kyorai tinha preguiça de cortar a grama ou aparar as fruteiras, mas em uma parada das chuvas de junho, o sol que penetra no interior da casa chama a atenção do novo morador. Assim, Basho pode perceber que Kyorai escrevia poemas em cartões que foram arrancados da parede, ficando somente as marcas, indicando um hábito de Kyorai e como ele fazia uso de seu tempo.

O haibun seguinte é de minha autoria.

O Silêncio das Mariposas

Durante à noite, o teto e as paredes do meu pátio se ladrilhavam com mini mariposas de cor bege e marrom. Pela manhã as mariposinhas ainda estão lá, tão quietas como se tivessem se transformado em papel de parede. Um tanto preocupada, admiro aquela linda multidão e vou embora. Na volta para o almoço, uma vizinha vem me contar maravilhada que meu pátio havia sido invadido por um bando de diferentes pássaros. Por não ter visto as mariposinhas, a vizinha pensou que os pássaros se reuniam no meu pátio, por alguma razão mística.

tarde silenciosa
apenas um beija-flor
no fio de luz

O objetivo da prosa desse haibun é descrever a cena onde o silêncio do pátio é substituído pelo som de vários pássaros que encontram comida farta. A comida acaba e o silêncio de sempre retorna ao pátio. Um beija-flor calado no fio de luz é tudo o que resta do inusitado e sonoro acontecimento.

 

fonte: http://www.sumauma.net/haicai/haicai-haibun.html