Observações delicadas

O Poetrix está fazendo quinze anos, quem diria!

Para mim, ainda é um "menino" que mal aprendeu o caminho das pedras. Ainda assim, mostra sua cara por vários países e, inúmeros idiomas.

Suas derivações se alastraram pela internet como uma nova vertente poética. No início houveram várias críticas, mas com o passar do tempo elas foram perdendo força e espaço. Atualmente as formas múltiplas são realidades, mesmo que continuem passíveis de críticas.

No princípio éramos um grupo bem restrito - adeptos da nova modalidade. Hoje somos um todo de aproximadamente quinhentos poetas, espalhados pelos quatro cantos da melhor poesia. Este conjunto de escritores que se dedica ao Poetrix diariamente. Pode ser considerado um fenômeno raro na literatura, em se tratando de poesia. Neste curtíssimo período, muitos livros foram publicados. Muitos poetas que viviam “escondidos nas sombras” puderam mostrar os seus escritos para Deus e o mundo. Isto ocorreu graças à dinâmica e a facilidade da leitura do poema, que se apresenta em três versos distintos e curtos. Sem falar que suas regras são, a meu ver, simples e objetivas, sem muitas amarras ou complicações fantasiosas. Por isso ele ganhou mais e mais espaço na mídia e nas escolas de um modo geral. Mas com todas essas facilidades, ele é delicado, complexo e cativante, na sua essência. Esta afirmação é cruel, pois quanto mais me aprofundo neles, mais eles exigem de mim... quando louco e poeta. Às vezes passo horas, dias e até meses lendo os mesmos poemas e quanto mais os leio, mais e mais percebo que me encantam no verso e no reverso. Isto quando não me emocionam e me fazem sonhar acordado.

Eu gostaria de guardar alguns Poetrix só para mim, mas vou dividi-los com vocês para que comunguem comigo.

Vejam alguns exemplos do que estou falando:

1 - Encanta(dor)

uma flauta doce

toda furada

deu nova vida ao bambu

Hércio Afonso

2 - (Má)(temática)

não adiciono

sou

sub(traída)

Ângela Brêtas

3 - Morte

uma cadeira vazia na alameda

sentada numa tarde de outono

a olhar o meu ponto de fuga

Anthero Monteiro

4 - Divi_dida

não queria

ser deus,

só duas...

Aila Magalhães

5 - Fugaz

Cama desarrumada,

liberdade para as borboletas

estampadas nos lençóis...

Tê Soares

6 - A$$ALARIADO

vende a vida inteira

pelo pão de cada dia

a liberdade bóia, fria

Goulart Gomes

Pensando em voz alta, o que tem me preocupado nesses últimos anos, é que mesmo com o expressivo número de seguidores que vem aumentando significativamente, dia a dia, não tenho percebido o olhar crítico e sincero. Se antes criticávamos tudo, hoje isso me parece coisa do passado – démodé. O que não deveria acontecer, pois corremos o risco de privilegiarmos a quantidade, em detrimento da qualidade esmerada, que é o que desejamos.

Com o avanço da tecnologia, reconheço que a mídia trouxe muitas melhorias técnicas, mas me parece que são praticamente visuais, em se tratando do Poetrix. O uso das imagens enriquece, no entanto, há o risco de que se sobressaia aos poemas em si.

Não percebo aquele "X" a mais que a ferramenta poderia nos oferecer. Não vejo necessariamente a melhoria na criatividade, na estética, no despertar dos novos poetas, com o advento dessas facilidades. Creio que deveríamos avaliar o uso, principalmente, das imagens ilustrativas. Fotos irretocáveis chegam a me sensibilizar mais, por vezes, do que o próprio poema. Parece-me que está havendo uma inversão de valores. As figuras deveriam ser criadas na cabeça do leitor através dos escritos e não só da qualidade fotográfica que nos é oferecida de mão beijada.

Outros dois pontos que gostaria que fossem observados pelos Poetrixtas são:

1- Palavras repetidas no texto. O Poetrix é um terceto muito pequeno na sua estrutura (trinta silabas poéticas). Além disso, o nosso idioma é farto nos sinônimos, o que facilita na hora da composição, sendo, a meu ver, desnecessária a repetição de um mesmo vocábulo.

2- O uso de rimas. Se são pobres, enfraquecem o texto de tal modo que a leitura fica sem graça, previsível do início ao fim. Se são bem construídas enriquecem o contexto, adicionam valores sonoros e rítmicos. Existem rimas belíssimas tais como: medra com pedra (Castro Alves), ela com janela (Chico Buarque), i com aqui (Fernando Pessoa). Infelizmente não é o que tenho lido ultimamente nos poemas que são postados.

Lendo Poetrix no Facebook, me deparei com o seguinte, do poeta Hércio Afonso:

1 - fosse eu foice

drástico o corte

- vida e morte

Fiquei surpreso ao ver que realmente não havia um título explícito. Logo em seguida, ele justificou que o seu poema havia nascido pagão.

As regras do Poetrix dizem que os títulos são indispensáveis. São eles que direcionam o leitor, que dão a ideia do que está sendo oferecido. Uma grande maioria de pessoas conhecem apenas os títulos das obras. Seus conteúdos, muitas das vezes, são verdadeiros mistérios, escondidos nos livros das prateleira das bibliotecas. Deste modo, o Hércio, na minha visão, pode dar nome ao seu poema a qualquer dia e hora, sem prejuízo algum, fazendo com que ele deixe de ser um filho pagão por excelência. Ainda digo mais, se eu fosse ele, colocaria o título depois do texto, invertendo a lógica das coisas. Assim sendo, o título passaria a ser o enigma da obra. E, como sugestão, seria "Severina".

Devo dizer que gostei muito do poema!

Alguns exemplos do que acabei de sugerir ao Hércio (título depois do texto):

1 de 2

é ½

...inteiro

Todo

....................

não ri,

mas canta:

três potes, três potes...

Saracura

.....................

a boca

era grande

comia os peixes elétricos

Rio das mortes

..................

Voltemos aos temas sobre os quais lancei algumas reflexões.

Continuando minhas pesquisas pelo Facebook encontrei algumas preciosidades que me encantaram. Vejam:

1 - Inveja à La Quixote

tédio --

moinhos

sem vento

TucaKors

2 - Sensual

meu pensamento vai longe

ao olhar um antúrio:

belo estame em riste

TucaKors

3 - Pagador de promessas

meu fardo é leve

mas tenho fome e sede de justiça:

tirem os cravos das minhas mãos

Goulart Gomes

4 - Quase inverno

o outono derruba folhas

que as mãos querem alcançar:

voltar a ter trinta anos...

Kathleen Lessa

5 - A duras penas

voo alçado

asas de pergaminho

eis a questão, voar é preciso...

Lúccia Carone

... A questão que levanto é de que podemos cair nos desvãos da mesmice, no mudar de roupa sem necessidade, no desgaste poético de uns ou de todos. Em outras palavras, poderia ser o caos literário dos tercetos. Espero que este não seja o preço que teremos que pagar em um futuro não muito distante.

E viva a poesia!!!

Pedro Cardoso DF
Enviado por Pedro Cardoso DF em 10/04/2014
Reeditado em 14/07/2020
Código do texto: T4764408
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