O TRIBUTO DE WAGNER RIBEIRO AOS DEUSES LARES

Os Lares são considerados deuses domésticos, protetores do lar e da família. A criação mitológica dos Lares está atrelada à história do nascimento de Júpiter, deus da mitologia romana, filho de Saturno e Cibele, pais de Marte e avós de Rômulo e Remo. Essa designação dos deuses Lares se deve, provavelmente, ao sentido da palavra lar (es), oriunda da língua latina cujos significados são lareira, lar, casa.

Contam versões da lenda que Saturno perseguia o filho por todas as partes do mundo. Quando Júpiter chorava, Almateia, a ninfa que, metamorfoseada em cabra o amamentou, ordenava a alguns jovens que golpeassem os escudos de bronze com suas espadas, de tal sorte que o barulho impedisse Saturno de ouvir o choro da criança.

Esses jovens que golpeavam os escudos eram chamados na Grécia de Curetes e, em Roma, recebiam o nome de Lares (filhos de Mercúrio e Lara). Justifica-se assim a passagem dos Lares para a mitologia romana como protetores das famílias.

Outras informações dão conta que o culto a esses deuses da mitologia greco-romana teve origem no antigo costume de as famílias enterrarem seus mortos em espaço reservado para tal fim em suas próprias casas. Depois os enterramentos passaram a ser feitos ao longo das estradas o que deu origem ao surgimento dos deuses lares protetores das estradas.

Em Salvador, escritora Myriam Fraga publicou uma obra contendo 15 poemas e intitulada Os Deuses Lares (1991) Edições Macunaíma/Artes Gráficas/Salvador.

Wagner Ribeiro, baiano radicado em Aracaju prestigia os mesmos deuses com a publicação de seu Tributo aos Deuses Lares _ coroa de sonetos _ (2009) SERCORE, dedicado à memória de Mário Cabral e mais a Jackson da Silva Lima e Sérgio Pachá.

Não farei comparações dos dois poetas mesmo porque não li o livro de Myriam, mas sei que não são sonetos os seus poemas.

Uma coroa de sonetos, conforme explicação de Geir Campos, oferecida no livro de Wagner Ribeiro, “é uma composição poética em que o soneto funciona como estrofe, aparecendo em número de quinze, dos quais o último é formado pelos quatorze versos finais dos anteriores e estes começam, cada qual, pelo último verso anterior”.

O interessante encadeamento vai aqui demonstrado, em negrito, nos dois primeiros sonetos que rutilam na coroa do imortal baiano-sergipano:

1

Aos pequeninos deuses pouco basta

Em oferenda, invocação e prece.

A flor Sivestre, o fruto que perece

Logo ofertado, a uva de pobre casta

E até mesmo o que restou da messe

E por não consumido se desgasta,

É recebido como mesa fasta,

Aos pequeninos deuses apetece.

Para servir somente foram criados,

Não querem ser temidos, mas amados,

Fazer o homem feliz é sua senda.

O que na terra lhes dá, é o seu encanto,

E hão de sempre louvar a vida, enquanto

Apraz a um grande deus crua oferenda.

2

Apraz a um grande deus crua oferenda;

Ver o sangue a estuar, levando a vida,

Na lividez da vítima aborrida,

A morte já debuxa a cara horrenda.

A mão do sacerdote que a prebenda

De antemão recolheu, agradecida,

Torna mais dolorosa essa ferida

Porque favor divino mais lhe renda.

Não lhe ocorre indagar por que o sangue,

E por que as dores da vítima exangue

São júbilos ao deus e não pesares.

Por que ao mármor de branco imaculado

Prefere o deus o sangue derramado,

Rubra visão da pedra dos altares.

Que coisa boa ler os sonetos decassílabos harmoniosamente elaborados pela lira de Wagner! Há no bojo desses sonetos uma mensagem importante para as famílias no mundo moderno. È possível sentir o lamento do poeta pela situação atual da célula familiar quando, em um terceto do sétimo rubi de sua coroa de sonetos diz:

Ó idos tempos em que a humanidade,

Tendo perto de si a divindade,

Erigia na casa os seus altares

E, no último terceto do oitavo soneto, lembra:

Eram grandes os deuses pequeninos,

De sua gens a velar sobre os destinos,

Benfazejos, mantendo acesa a lenda.

Os deuses Lares, por certo retinem suas espadas, desta vez para demonstrar o gozo pela justa e inspirada homenagem que lhes dedica Wagner Ribeiro.