O RUBAI

Pessoal querido!

No livro de Teoria Literária do Professor Hênio Tavares editado pela Villa Rica, 11 edição, 1996 encontra-se uma parte chamada de Poemática. A conceituação de Poemática do autor é a seguinte: “É a parte da Poética que se ocupa do estudo formal das composições em verso, tratando assim, da técnica estrutural dos poemas.”

Nesse estudo da poemática se dá a classificação dos poemas em gêneros: épico, lírico, satírico e humorístico. Dentre os gêneros líricos, um me chamou atenção: o RUBAI, e foi então que ao ler sobre ele me veio a ideia de criar um poema seguindo a sua estrutura.

Resolvi elaborar um pequeno estudo para dividir com todos sobre o Rubai. Então, fiz um apanhado de informações sobre o Rubai e dividi-o em 6 partes. Destacando, Omar Khayyám - o mais importante escritor desse gênero lírico e Fernando Pessoa, este bebeu na fonte do primeiro e fez seus Rubaiyát (conjunto de Rubai), também. Vou colocar na 4 parte as minhas tentativas de Rubai.

a) O RUBAI partindo da obra de Omar Khayyám:

Aqui compilo o breve relato que o Professor Hênio Tavares fez sobre o RUBAI nas páginas 301 e 302 de seu livro Teoria Literária.

b) quanto ao Gênero Lírico:

35.Rubai

“É a trova popular dos persas, turcos, árabes, etc., gênero em que se imortalizou Omar Khayyám com seu famoso Rubayiát escrito no Século XII; este livro foi traduzido para o inglês por Edward Fitzgerald, que conservou na tradução a forma original, com RIMAS segundo o esquema aaba.”

O poeta Omar Khayyám traduz em sua obra o espírito que dita aquela expressão horaciana: “carpe diem”. Tal expressão latina sugere o afã de aproveitar o dia, o momento presente, sem preocupações quanto ao futuro nem recordações do passado. Exemplo:

“Minha alma arremessei rumo ao Eterno, (a)

Para ler o Destino em seu caderno, (a)

mas dentro em pouco a alma tornou a mim (b)

e disse: “Eu mesma sou o Céu e o Inferno!” (a)

(Apud Geir Campos, op. Cit., págs. 175 e 42)

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A partir da pesquisadora do Departamento de Letras da UFM (Universidade Federal do Maranhão) Márcia Manir Miguel Feitosa*1 descobrimos que a quadra omariana utiliza o Pentâmetro Jâmbico como base do metro e do ritmo de cada verso.

O Rubai pode ser entendido como, canções de beber, ideia nascida da frequente utilização da palavra VINHO. O Rubáiyát é o plural de Rubai, ou seja, um conjunto de estrofes de 4 versos onde cada estrofe é um Rubai, a quadra dos persas.

Podemos assim, definir em dois pontos a estrutura do Rubai:

1) Utilização do metro e ritmo que formam o Pentâmetro Jâmbico, ou seja, o verso é decassílabo (verso com 10 sílabas poéticas) e apresenta 5 pés que alternam uma sílaba poética fraca e uma sílaba poética forte, conforme o esquema a seguir:

U – U – U – U – U – (U = sílaba fraca; – = sílaba forte)**2 – cada grupo de sílaba fraca + sílaba forte formam 1 (um) pé.

2) Utiliza-se na estrofe do Rubai o seguinte esquema de rimas para a quadra: a/a/b/a, ou seja, 3 rimas consoantes (a que apresenta identidades de sons a partir da sílaba que contém a vogal tônica) nos versos 1,2 e 4 e um verso branco (verso sem rima) no 3 verso da quadra.

E qual a temática dos Rubaiyát de Omar Khayyám? (partindo do estudo da Professora de Letras da UFM Márcia Manir Miguel Feitosa - é quase um recorte/colagem de partes da análise de seu estudo - enumerei temas [leitmotiv] recorrentes - no tópico a) acrescentei informações de Christovam de Camargo***3

a) A temática da ausência de sentido da Vida. O Rubai omariano tem uma carga de melancolia e desesperança, onde a sonhada esperança não se concretiza em Vida. A tristeza de haver nascido. A precariedade da vida, com o aniquilamento final de tudo. A nossa escravidão ao destino.

b) Traz a temática do VINHO, este funciona como possibilidade de fuga do mundo real (não compreendido).

c) A temática amorosa. Esquecimento de amores passados. A crença em amores futuros. A vivência do amor (forte na fase final da vida do poeta, segundo o pesquisador Matos Pereira).***3.1

d) A procura de viver o momento. O melhor é a entrega ao Sol, ao calor do momento e a indiferença à passagem do tempo.

e) A temática da impenetrabilidade do mistério universal. Fato irremediável e intransferível da morte. Impossibilidade de desvendar os “segredos da Vida” nem por aqueles indivíduos do poder religioso temporal.

f) A temática do poder implacável do fado sobre as ações humanas, impedindo a realização dos desejos.

g) A renovação da esperança. Aqui figura a imagem da ROSA ou da Flor (desabrochar da Rosa - Rosa Negra). Sempre com letra maiúscula, representa a beleza da vida, apesar de seu inevitável fenecimento.

b) Quem foi Omar Khayyám e algumas traduções de Alfredo Braga****4, uma de Geir Campos e outra, presente no livro de Christovam de Camargo, realizada pelo Professor Ragy Basile:

Pequena biografia de Omar Khayyám, retirada do estudo e tradução de Alfredo Braga:

“Omar Ibn Ibrahim El Khayyam nasceu em Nichapur, na Pérsia, o atual Irã, em 1040 e morreu nessa mesma cidade em 1120.

Khayyam significa, em persa, fabricante de tendas; ele adotou esse nome em memória do pai que era fabricante de tendas.

Além de poeta Omar Khayyam foi matemático e astrônomo. Dos seus livros de ciência chegaram até nós o Tratado de Algumas Dificuldades das Definições de Euclides e as Demonstrações dos problemas de Álgebra. Em 1074, diretor do Observatório de Merv, fez a reforma do calendário muçulmano.” (retirado de Sobre as traduções dos Rubaiyat de Omar Khayyam) -

No total são 182 Rubayiát traduzidas pelo Professor Ragy Basile. É importante salientar a dificuldade da tradução do persa para o português. O Christovam de Camargo relata a empreitada da tradução, assim:

“ - E presta atenção, ponderou Basile, o persa é um idioma sintético, quase taquigráfico, sendo pois absurdo aduzir uma quadra persa por outra em português.” (Pág. 14 - introdução do livro Rubayiát organizado por Christovam de Camargo).

Por isto a opção do tradutor pelo verso livre. Assim, na compreensão do Professor Ragy Basile pode-se ir na essência do texto, sem deixar ideias importantes das Rubaiyát de fora. Interessante que o tradutor para o Inglês Fitzgerald manteve a estrutura do Rubai intacta. E por constatação minha, é uma possibilidade mais provável, porque o idioma inglês, também, é mais sintético.

Aprendamos: o pentâmetro jâmbico utilizado no Rubai esteve presente em quase todos os versos dos sonetos ingleses de Shakespeare. Nas traduções para o Português destes sonetos ingleses a discussão é que ao utilizar o pentâmetro jâmbico no idioma original cabem mais ideias do que ao utilizar este tipo de verso no nosso idioma. Dai vem a dificuldade de manter as traduções com o pentâmetro jâmbico. (A ideia de sintético, creio eu, pode estar ligada ao significado mais amplo de uma palavra ou a presença de um conjunto significativo de palavras com quantidade menor de sílabas: monossílabos e dissílabos em determinados idiomas).

Existem inúmeras traduções do Rubaiyát de Omar Khayyám. Com versos livres, com a estrutura original ou parte dela mantidas. Algumas traduções diretas do persa, idioma que escreveu o poeta, outras partindo de traduções do inglês e do francês. Vou colocar algumas como ilustração.

Traduções livres de Alfredo Braga:

5

Busca a felicidade agora, não sabes de amanhã.

Apanha um grande copo cheio de vinho,

senta-te ao luar, e pensa:

Talvez amanhã a lua me procure em vão.

(tradução livre do Rubai 5 de Omar Khayyám feita por Alfredo Braga)

8

Que pobre o coração que não sabe amar

e não conhece o delírio da paixão.

Se não amas, que sol pode te aquecer,

ou que lua te consolar?

(tradução livre do Rubai 8 de Omar Khayyám feita por Alfredo Braga)

47

 

Se em teu coração cultivaste a rosa do amor,

quer tenhas procurado ouvir a voz de Deus,

ou esgotado a taça do prazer,

a tua vida não foi em vão.

(tradução livre do Rubai 47 de Omar Khayyám feita por Alfredo Braga)

Tradução seguindo a estrutura do Rubai de Omar Khayyám feita pelo Poeta Geir Campos:

“Minha alma arremessei rumo ao Eterno, (a)

Para ler o Destino em seu caderno, (a)

mas dentro em pouco a alma tornou a mim (b)

e disse: “Eu mesma sou o Céu e o Inferno!” (a)

(Apud Geir Campos, op. Cit., págs. 175 e 42)

Tradução livre do Professor Ragy Basile no livro organizado por Christovam de Camargo:

141

Todos aqueles que surgiram

para a existência

viveram desnorteados

nas sombras da noite.

Apegaram-se à bebida,

escravizaram-se a todas as vaidades.

Sorveram a taça capitosa

e maravilharam-se.

Depois, abraçaram-se

e, assim entrelaçados,

fundiram-se

no sono da não-existência.

(Pág. 163)

Para fins de ilustração cito outros tradutores das Rubáiyát de Omar Khayyám para o Português:

Jamil Almansur Haddad, Fernando Pessoa, Manuel Bandeira e Otávio Tarqüinio de Souza.

c) Fernando Pessoa e o Rubaiyát*****5:

O Poeta Português Fernando Pessoa, em sua poesia ortônima (poesia escrita por ele mesmo e não por seus heterônimos) bebeu da inspiração de Omar Khayyám e, também, realizou os seus Rubaiyát.

A partir do Grupo de Trabalho para o Estudo do Espólio e Edição da Obra Completa de Fernando Pessoa coordenado por Ivo Castro pesquisador português Ministério da Cultura e a:

EDIÇÃO CRÍTICA DE FERNANDO PESSOA

Série Maior, Volume I

descobrimos as seguintes informações (estudo das Rubaiyát de Fernando Pessoa ficaram a cargo da pesquisadora portuguesa Maria Aliete galhoz e auxiliares):

No Espólio de Fernando Pessoa na Biblioteca Nacional de Portugal em Lisboa foram encontrados 182 quartetos em forma de Rubai publicados em livro na obra: Canções de Beber. Ruba’iyat na Obra de Fernando Pessoa, que saiu, pela Assírio & Alvim, em 2003. Fernando Pessoa leu Rubaiyát a partir de dois tradutores Ingleses: Fitzgerald e T. H. Weir, chegando em alguns momentos a traduzir do Inglês para o Português algumas quadras do poeta persa Omar Khayiám. Existe, portanto, em sua obra Rubais criativos (dele mesmo) e Rubais traduzidos.

Um exemplo de Rubai de Fernando Pessoa:

RUBAIYAT

"O fim do longo, inutil dia ensombra.

A mesma sp’erança que não deu se escombra,

Prolixa... A vida é um mendigo bebado

Que extende a mão á sua propria sombra.

Dormimos o universo. A extensa massa

Da confusão das cousas nos enlaça,

Sonhos; e a ebria confluencia humana

Vazia echoa-se de raça em raça.

Ao goso segue a dôr, e o goso a esta.

Ora o vinho bebemos porque é festa,

Ora o vinho bebemos porque ha dôr.

Mas de um e de outro vinho nada resta.:"

PESSOA, Fernando. "Rubaiyat:". In: Contemporânea. Lisboa, S. 3 (3), 1926, p. 98.

Outro exemplo:

“Bordei a conclusões a externa prova.

Minha memoria emmudeceu de nova.

Não fui rei, nem fui paria, nem estive entre,

Corcunda, o fado não me deu corcova. ”

(Provavelmente escrito em 1926 - retirado de Poemas de Fernando Pessoa: Rubaiyát.*****5)

Um comentário da Professora Márcia Manir Miguel Feitosa sobre os Rubais de Pessoa:

“Essas ruba’iyat de Pessoa procuram seguir de perto a temática omariana do sem sentido da vida, onde imperam a melancolia e a desesperança. Tem início com um fim, isto é, o eu-lírico começa a expor os seus sentimentos após um longo dia em que tudo foi inútil, em que, de modo prolixo, a sonhada esperança não se concretizou, antes se manteve nos escombros da vida. Esta, por sua vez, ébria, ecoa vazia, estendendo a mão à própria sombra que reflete a confluência humana, imersa na confusão e no caos do universo. Para o poeta, o mundo interior, representado pela dor, e o mundo exterior, representado pela festa, fundem-se no mesmo nada, onde nem a embriaguez funciona como atenuante ou lugar de refúgio para a alma em conflito.”

d) Minhas tentativas de Rubai:

FUGA

Encontro o negro em casa e em mim, sozinho.

A noite acorda longa, eu dó e o vinho.

Ao corpo cada taça traz a fuga.

Enquanto bebo: esqueço a dor tontinho.

(Alexandre Tambelli, São Paulo, 17 de setembro de 2010 - 17:12h).

A ROSA NEGRA

O mar avisto, só, na imagem d'alma.

Escura cor. O mar avisto em calma.

Sonoro vai e vem, relembro a rosa.

A Rosa negra, Omar Khayyám; vivalma.

(Alexandre Tambelli, São Paulo, 19 de setembro de 2010 - 08:46h).

e) Bibliografia na internet sobre o Rubai e o livro Rubáiyát com tradução do Professor Ragy Basile e organizado por Christovam de Camargo:

*1 Uma Leitura de Fernando Pessoa "ele mesmo" à Luz

do Ruba'iyat de Omar Khayyam

Márcia Manir Miguel Feitosa

(Profa. Dra. Dep. Letras U. F. Maranhão)

http://www.hottopos.com/mirandum/fernkhay.htm

**2 Para melhor conhecimento dos pés básicos e pés compostos utilizados nos poemas metrificados sugiro a leitura do brilhante artigo de Teoria Literária presente no seguinte link: http://www.recantodasletras.com.br/teorialiteraria/1459511 - autoria do Poeta Fiori Carlos, socorri-me ao querido poeta para colocar o esquema do Pentâmetro Jâmbico no texto.

***3 Informações obtidas na introdução do Livro Rubáiyát de Omar Khayyám com tradução do Professor Ragy Basile e organização de Christovam de Camargo, São Paulo, Editora Martin Claret, 2003. Tradução direta do Idioma Persa pelo Professor Ragy Basile, orientalista, conhecedor do idioma persa e possuidor da obra de Omar Khayyám no original.

***3.1 Perfil Biográfico de Matos Pereira (1944) - O gênio que foi Omar Iben Ibrahim El-Khayyám. Este perfil está no final do livro Rubáiyát organizado por Christovam Buarque (Págs. 209 - 225) e parte de outra tradução de Rubáiyát para seu estudo da obra do poeta persa. Infelizmente, não foi colocado o nome do tradutor e por isso não acrescentei uma das traduções presentes no perfil biografico.

****4 Traduções livres da obra Rubaiyát feitas por Alfredo Braga:

http://www.alfredo-braga.pro.br/poesia/rubaiyat.html

****5 Poemas de Fernando Pessoa: Rubaiyát.

recursos.wook.pt/recurso?&id=1118951

f) Uma pequena conclusão:

Conhecer gêneros literários diversos é um prazer para mim. O Rubai é muito interessante. Talvez, a tentativa por mim concebida esteja mais influenciada pelas imagens noturnas. O clima das quadras mais escuro/sombrio foi resultado da hora da criação de cada Rubai. E um pouco resultado do comentário que postei na parte C da Professora Márcia Manir Miguel Feitosa sobre as Rubayiát de Fernando Pessoa.

Um dado curioso: o número de Rubaiyát traduzidos pelo Professor Ragy Basile e encontrados no livro organizado por Christovam de Camargo é igual o número de Rubaiyát encontrados pela professora Maria Aliete Galhoz no espólio de Fernando Pessoa em Portugal: 182.

Trazendo para nosso tempo:

Muito importante é a constatação: Fernando Pessoa foi muito mais do que apenas um poeta moderno, foi um estudioso da Poesia e um cultivador, tanto da poesia clássica como da poesia moderna. Valioso, portanto, ter como exemplo o maior poeta do Século XX. Fujamos do discurso de que a poesia clássica não tem importância. O grande poeta conhece a fundo o seu ofício e as maneiras de realizar poesia. Escolhas existem, que bom que existem! Podemos escolher o caminho para o nosso poema, e se formos pelo caminho do aprendizado contínuo, da ausência de preconceitos podemos, certamente, alcançar uma Poesia de valor.

Sem medo de ser Poeta e de aprender o ofício do verso, da métrica, dos ritmos e pés possíveis, da rima, dos gêneros literários, do poema polimétrico, da poesia moderna, do verso livre, do verso branco, da poesia concreta, do poema-processo, da poesia marginal, das figuras de linguagem e assim por diante. E tudo em busca de a cada dia sermos mais valorosos e poliglotas no universo da Poesia!

Abraços,

Alexandre!