FOLCLORE IV - PARA COMER REZANDO

Tradicional doçaria conventual portuguesa, abençoados anjos e santos abençoando tachos e doceiros, monges e freiras em mosteiros e conventos. Ora, tempo antigo, filhos homens eram os herdeiros, filhas enclauradas nos conventos - sem verdadeira vocação religiosa, a distração era... forno e fogão! Doces com muitas gemas, as claras eram usadas para engomar o trajes das freiras. Após a extinção das ordens religiosas no país em 1834, traduzidos de manuscritos os segredos da divina doçaria, origem e ampliação da culinária italiana. Até mesmo no sincretismo religioso brasileira está o "Caruru de São e São Damião" (cozido de quiabos, camarões secos e azeite de dendê - citação na obra baiana de JORGE AMADO) - pela tradição afro-brasileira, a primeira porção deve ser sevida a sete meninos na mesma bacia, comer com as mãos. Descendente de italianos, o pesquisador foi coroinha na infância, estudou em colégios franciscanos e virou umbandista. "Barriga de freira", delícia - o nome deve ser pela brancura da anatomia (nunca um sol, jamais recatado maiô, pecaminoso biquini). Por que sempre nomes de santos? Não sei. Unindo fé e gastronomia (gastronomia e literatura, tese de doutorado), o curitibano FABIANO DALLA BONA, professor da UFRJ, 41 anos em 2010, pesquisou durante cinco anos e reuniu cerca de receitas do calendário litúrgico, da hierarquia eclesiástica, de lugares santos e tradições religiosas: livro "O céu na boca", receitas populares de agradecimento a algum santo - "Bolo de Santo Antônio", "Corações de São Valentim" (biscoitos recheados com chocolate - santo também padroeiro dos namorados), "Pamonha de São Jorge", "Pastéis de Belém", "Pastéis de Santa Clara" (massa folhada, recheio de gemas), "Pato de São Martinho", "Sacristãos de queijo", "Salames do Papa", "Sapatinhos de Santo Hilário", "Seios de Santa Ágata" (típico doce siciliano - formato de cone, coroado por uma cereja, criado pelas irmãs do Monastério de Montevergine, em Palermo), "Sopa do Domingo de Ramos", "Toucinho do céu"......... Menos (ou nada?) santos: "Feijões do inferno", "Filé do Diabo" e "Ovos no purgatório". A maior parte das receitas do livro-tese é de origem católica, mas há também uma sobremesa da igreja ortodoxa russa, "Pashka", e o "Carneiro da Terra Santa", prato árabe. Há diversas versões das estórias dos santos, como por exemplo a casca dourada no "Bolo de Reis", alusão ao ouro, às frutas e à mirra, o ramo de laranjeira remetendo ao incenso. Embora Portugal seja um paraíso docífero, Fabiano elege a rainha "Torta de Santiago de Compostela como 'receita top' - bonita, inesquecível reunião mágica de amêndoas, canela e vinho doce.

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FONTE:

"Comida de santo" - Rio, jornal O GLOBO, 12/6/10.

F I M

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 27/06/2018
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