EXISTENCIALISMO PORTUGUÊS - PARTE II

2---APARIÇÃO, prêmio "Camilo Castelo Branco", da Sociedade Portuguesa de Escritores", aos 25 anos da atividade literária de VERGÍLIO FERREIRA - ANÁLISE DO ROMANCE - Ficção filosófica por ser romance de ideias ou romance-ensaio: o "eu" é o puro ser vivo que somos, tomando ciência diante de nós, aparecendo subjetivamente - arquitetura bem definida, dentro de um sistema ficcional, visão e sentimento do mundo existencialistas. Observação de que, no estruturalismo, o sistema pensa pelo indivíduo (ça pense) no lugar de pensar o indivíduo por si (je pense) - na verdade, pensa em si, mas através de um sistema: o fato é que, sem código, não pode haver mensagem... e aí os existencialistas ficam sem saída diante do estruturalismo... --- No caso de APARIÇÃO, através da estrutura ficcional bem definida, o escritor pensa; de fato, a língua é estrutura condicionante do próprio fenômeno literário e através dela se transmite a segunda estrutura que é a ficcional, sistema de ficção que se refere às personagens: personagens-indivíduo, isto é, esféricas /em VERGÍLIO, personagens-tipo ou planas, só secundárias ou contrastantes/, personagens principais (plural mesmo) dentro de uma condição humana de base puramente individual, constituídas de dentro para fora; estruturalmente, apresentam significante (aspecto físico) e significado (dimensão interior humana, eixo da narrativa de ficção). A concepção de humanismo, resumida na aceitação plena da condição humana, é transmitida pelas personagens principais, surgida como violenta descoberta, aparição angustiante (e não nauseante como em SARTRE, espécie de enjoo, capaz de levar o homem a anular-se ou negar-se = literatura objetalista do 'nouveau roman') - em VERGÍLIO, o homem se descobre através da dúvida, aparecendo a si mesmo, numa espécie de evidência do ser. Termo aparição é antináusea, o homem procura recuperar-se, penetrando em si para descobrir-se/aparecer aos seus próprios olhos. --- Toda personagem, entidade bifronte, resulta sempre de uma relação entre significante e significado - na estruturação do significado das personagens, o eixo da narrativa, visão do mundo fundamentada em humanismo integral, filosofia de vida. --- ALBERTO SOARES, protagonista, tem lugar de honra no romance e seriam 'secundárias' as personagens dependentes deste "eu" poderoso e até certo ponto neo-romântico; talvez efeito de um egocentrismo existencial com raízes na adolescência, porém egocentrismo que adquire dimensão filosófica e se torna complexo, personagem principal em auto-reflexão e interrogação metafísica. --- Aparente narração em flash back, Alberto numa sala vazia relembrando, o que pode sugerir PROUST, mas na realidade é um romance do presente do indicativo, tempo passado ou futuro integrado no presente, que é o "estar sendo", na ficção. "Sento-me aqui nesta sala vazia e relembro. Uma lua quente de verão entra pela varanda, ilumina uma jarra de flores sobre a mesa. Olho essa jarra, essas flores, e escuto o indício de um rumor de vida, o sinal obscuro de uma memória de origens." - todos os tempos verbais no presente e, após prólogo, narrador rememora: "Pelas nove da manhã desse dia de Setembro, cheguei à estação de Évora. Nos meus membros espessos no crânio embrutecido, trago ainda o peso de uma noite de viagem." - emprego no pretérito (cheguei) apenas para introduzir a narrativa, logo atualizada em presente (trago), passado integrado no presente, como o futuro, em tempo conjectural: ponto de vista interno, romance de primeira pessoa. --- Ele, professor de Liceu, chega a Évora angustiado pela ideia da morte, inicialmente despertada pela recente do pai. Traz carta de recomendação ao doutor Moura, que fora condiscípulo do pai, escrita poucos dias antes. Comum a tradicional descrição da cidade, ambiente geográfico e tipos humanos, adequado estilo literário e recursos adjetivais através de hipálages, como antes em EÇA - "...ergueu a mão alarmada..." (psicologicamente é o sujeito, não o objeto direto), "(ele) embrulhava um cigarro suave." (em EÇA, "cigarro dstraído"). --- Diálogos banais e utilitários de quem chega a uma cidade estranha, procurando pensão para alojar-se. Sozinho no quarto, sem conseguir repousar, recordação da morte do pai, retirada do fundo da memória para a atualização romanesca. Tomás, esposa Isaura e filhos, Evaristo, esposa Júlia e filho Alberto, mesmo nome do tio - planos temporais se cruzam, passado-presente envolvidos num tempo único, ceia de Natal, milenar costume de família reunida, ambiente de harmonia e paz, síncope inesperada, morre o pai - primeiro contato de Alberto com o absurdo da morte. (Primeira "aparição" dele a si mesmo em tempos escolares, diante do pai ou do espelho, pergunta angustiada: "Mas eu, eu o que é que sou?") --- Planos temporais cruzados, do passado ao presente, busca do tempo único. Encontro com o reitor e mais tarde com o doutor Moura, tempo normal da narrativa; encontro com Sofia, filha de Moura, reprovada em latim - mais tarde, tendo muita significação no romance; novas personagens: Ana, outra filha, casada com Alfredo, e a menina Cristina. --- Moura comodamente instalado na vida, alusão à inexistência de Deus: "Bom, sou religioso, acredito em Deus, em Cristo (...) em tudo o que me ensinaram. (...) Tenho um Deus para me tomar conta da vida e da morte. (...) tempo livre para tomar eu conta dos doentes." Ao jantar, conversas convencionais, Alberto negando a existência divina - piano de Cristina, ingênua presença da arte, quebra a monotonia do ambiente. O engenheiro Chico informa sobre Évora, cidade comum do interior, ainda resquícios medievais, frase que define a cidade: "Évora era a Quaresma, Lisboa o carnaval" - em suma, cidade arraigada a hábitos recebia o professor que iria desenvolver a ação principal da estória, início numa projetada conferência inergindo no tema da morte, mas que nunca se realizou. Esse tema, associado à inexistência de Deus, um dos núcleos essenciais do romance. A única consciência que existe é a de si mesmo - discurso metafísico. "...sinto a evidência de que sou eu que me habito, de que vivo, de que sou uma entidade (...) estou aqui, EU, este vulcão sem fim, só atividade, só estar sendo. (...) EU! Ora, este eu é para morrer". --- Pleno domínio do romance-ensaio de cunho existencialista: o homem é o ser que existe para o absurdo da morte. --- Na ficção de VERGÍLIO, os postulados essenciais do existencialismo, inclusive existência anterior à essência, ou seja, primeiro o homem existe, para depois ser. "...agora que eu me descubro vivo, agora que me penso, me sinto, me projeto (...) me reconheço não limitado por nada. (...) Como pensar que eu poderia não existir? (...) esta iluminação sou eu (...) este ser que irradia desde o seu mais longínquo ato de aparição, etse ser-ser que me fascina e às vezes me angustia de terror... e todavia eu sei que 'isto' nasceu para o silêncio em fim..." --- A morte do cão Mondego, episódio-incidente (vários episódios-incidentes dariam excelentes contos independentes), integrado ao contexto. Teria havido entre Alberto e o animal certa comunicação, por presença, realidade íntima? Não - à luz do existencialismo, nunca "aparição" em animais irracionais, porém Alberto, em Mondego, sentira obscuramente uma personalidade, com simpatias, antipatias e conhecimento do que se passava ao redor. "Como podia o cão morrer?" E na mesma meditação transcendental, cão = pessoas humanas: "A morte de Mondego irmana-se à de meu pai, dissolve-se num imenso apaziguamento." --- O lavrador Bailote, que não tinha mais mãos para plantar, visão fenomenológica da existência. "Porque eu tive sempre uma mão funda, assim grande, como um cocho de cortiça (...) mão no saco e vinha cheia de sementes. Atirava à terra e se semeava uma jeira (medida grande) no ar." Identificação do homem com o fazer e não o ser - suicídio por enforcamento, destruindo o mais prodigioso bem humano: o milagre da vida. --- Presença da morte, pois o homem é um ser que existe para morrer - no romance, densa atmosfera de interrogação metafísica: o pai, o cão, o lavrador... Traria, para a tranquila Évora, na conferência, a inquietação do espírito que rouba ao homem o estado de embriaguez. Não apenas o estômago satisfeito, mas também um estado de consciência e plenitude. Carolino, de alcunha Bexiguinha, rosto cheio de impigens, primeiro aluno de Alberto, assimilando uma espécie de existencialismo às avessas. Chico, professor, que iniciava em Évora sua estranha carreira de magistério, como não perceberia depois. --- Encontro de Sofia consigo mesma ou sua auto-revelação, por influência do catalizador Alberto, determinando entre eles não encontro simples de existências, mas de essências, comunhão - a adolescente-problema, envolvendo o professor ou ele se deixando envolver, aulas de latim transformadas um colóquio amoroso. --- O único iluminado é Alberto, os demais habitantes não sabem de si, acomodados à rotina da vida, nenhuma preocupação transcendente ou filosófica. Alberto visita Ana, doente - ele, espécie de Messias, destruindo os mitos da sociedade acomodada, pequena burguesia, instalando em cada consciência a dúvida metafísica e a procura do ser; nesse sentido, romance antiburguês - nenhum apelo a deuses, diante da posição filosófica centrada na angústia do descobrimento do ser. --- Em alguns pontos, ele não é inteiramente desmitificado, quando por exemplo Ana revela: "E julga você que Sofia é sua? Teve já varios amantes! O primeiro foi........." "Cale-se!" Reação contraditória, admissível de surpresa, mas não de irritação e raiva. Ou a raiva era ele? --- Como professor, procurou sair da rotina, adotando técnicas didáticas renovadas, funda discordância entre a inovação e a atitude comodista do reitor. "Esta cidade... É preciso cuidado. (...) redações muito curiosas. mas dê outras. O noivo, a costureira. (...) A Primavera. Uma tempestade. Esmolas a um pobre..." Reitor, socialmente vivido e tarimbado no magistério rotineiro e acomodado no meio em que vive - personagem-tipo representativo da classe de reitores e diretores estáticos, destituídos de inovações ou evolução de traços psicológicos. --- Posição idealista de Alberto diante do fenômeno da linguagem. "As palavras são pedras, Carolino; o que nelas vive é o espírito que por elas passa." Dentro do existencialismo, VERGÍLIO repugna a concepção estruturalista (tese da linguagem: ça pense) do fenômeno linguístico - para ele, o indivíduo pensa através de um sistema linguístico: quem não sabe dizer é porque ainda não sabe - ao contrário, não haveria comunicação. Sistema linguístico à disposição do sujeito-falante (je pense). --- Bexiguinha assimila o existencialismo àsavessas: "Pensei muito na história do homem que se enforcou. (...) já não tinha mão boa para semear. (...) já não há deuses para criarem e assim o homem, é que é deus porque pode matar. Eu não digo que se mate (...) matar é igual a criar. Bom, não é bem igual, quero dizer, é diferente..." Às avessas, porque o verdadeiro existencialista não mata, não sesuicida nem prega a morte de espécie alguma; valoriza a vida como milagre fantástico oposto à morte. Mas Carolino rejubila-se como um deus ao matar, poracaso, uma galinha - o jovem atira pedra a um cão, indo a pedra atingir uma descuidada galinha que ciscava. Bexiguinha, personagem-esférico, estranha evolução ao longo do enredo.

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De férias, ao retorno à casa, traz a mesma problemática a irmãos e cunhadas sem qualquer preocupação filosófica. "Nunca pensaste na morte?" "Se a vejo todos os dias!" "Pergunto se pensaste na tua!" "Na minha... Claro que pensei... Claro que pensei. Tenho seis filhos, quase sete. Como não pensar." O narrador acrescenta. "Não era disso que eu falava. (...) Adequar a nulidade da vida à sua brutal necessidade. Pensá-la no domínio prático é estar entretido. Mas não era isso: era assistir à aparição incandescente da nossa própria pessoa, ver o jato fulgurante que sai de nós e não ficar cego, atordoado." tomás não se peturbou. "...bela noite de inverno (...) Venho à janela ver as estrelas, os campos escuros sem um ruído. bom; então acho extraordinário que eu esteja vivo. E sinto-me bem eu. Mas não me sinto sozinho. Outras partes de mim estão em outro lado e são os filhos que dormem, ou os trabalhadores com quem falei, ou a terra que ajudei a plantar........." E o diálogo numa sequência de "não é isso!" - Alberto inutilmente tentando incutir no irmão a ideia que o anima ao longo do romance, numa espécie de angústia constância monocórdica. --- Ainda nas férias, o episódio do sorteio dos lotes de herança paterna entre os três irmãos, Alberto alheio a bens materiais, apego de Evaristo à herança, a ponto de cortar relações famiiares porque sorteio não lhe foi favorável: filosofias de vida diametralmente opostas. --- Ao retorno a Évora, problemas por ele próprio suscitados entre os habitantes da localidade - notícia do escândalo do senhor Machado, dono massante da pensão; interferência do pragmático reitor contra aulas particulares, embora gratuitas, à Sofia, lei proibindo a professor lições particulares - lugar pequeno, logo todos sabiam, inclusive carta anônima, escrita pela própria Sofia, denunciando, agora o Bexiguinha dando aulas de latim à Sofia. Quase clímax na estrutura não linear do enredo: ensaio penetra na ficção em dimensão de modernidade. Carolino, que antes tanto o admirava, agora hostil. Sofia amando o próprio desespero, este mais forte que tudo, tanto fazia Alberto ou Carolino para a noite de sua angústia - a evidência do ser que nela habitava transformou-a por completo, forma específica de reação. --- Morte de Cristina, nota infantil da arte pura no romance, num desastre de automóvel... episódio pungente sobre a atmosfera de arte e pureza infantil, sentimentalismo autêntico do autor. "...só eu vi, Cristina, as tuas mãos pousadas sobre a dobra do lençol moverem os dedos brevemente (...) ritmo de cansaço final... Na dobra do lençol tu sentias o teu piano, tu tocavas, Cristina, tu tocavas para ti e para mim. (...) E eu te ouço ainda agora........." - como se o ser da menina não tivesse morrido e animasse ainda o seu cadáver... seria verdade em tempo subjetivo ou interior. --- Episódio de involução ou complicação, próximo ao clímax, do encontro alucinado de Carolino e Aberto, noite chuvosa, casa dele. "Os senhores julgam que eu sou um trouxa (...) que eu sou para aqui um trampa... Mas enganam-se, sou um homem, eu sou! Eu posso! E se quiser... E tenho o mundo nas mãos..." - efeitos contraditórios da influência que Alberto poderia ter exercido nele, existencialismo às avessas. E continuou. "Tenho-me a mim, não sou um monte de esterco, sou um homem livre, posso, que são vocês mais do que eu? Ela foi-se embora sem uma palavra. Mas já há muito tempo. Eu bem percebi, eu bem percebia tudo." Responde Alberto. "A gente se engana, Carolino. Creio que te referes a Sofia." "Não pronuncies o nome dela! (...) Não fale nela nem mais uma vez!" Carolino vagaroso à roda da mesa. Alberto segurou a garrafa, o jovem caiu numa cadeira, riso idiota ou babado, de bêbado ou doido, e na noite perdida, de chuva e vento, a loucura era um pavor abstrato. "Por que me procuraste? Que tenho eu com tudo isto?" Carolino alucinado. "Eu sou um homem! (...) tenho em mim um poder imenso. Imenso como Deus. Ele construía. Eu posso destruir." "Explique-se imediatamente do que se trata. Senão ponha-se na rua," "Eu? Na rua? O senhor pensava que podia fazer chacota do pobre Bexiguinha. (...) Ela vai ter uma surpresa. (...) Não estou bêbado, não estou doido. (...) Não tenho medo. De nada. Mesmo da morte, o senhor tem medo da morte, a morte é a gente antes de ter nascido..." Alberto empurrou-lhe um cálice cheio, apareceu uma navalha aberta erguida alto,aparou o golpe o professor ecom força brutal, ignorada por timidez, torceu o braço de Carolino, a navalha caiu e despediu um murro no queixo do moço que cambaleou, esbofeteando-o até cansar - Carolino caiu na cadeira, debruçou-se sobre a mesa e chorou convulsamente. --- Efeitos estranhos das ideias de Alberto sobre Carolino; realidade é que este não suportou a evidência de si mesmo, desvirtuando as lições recebidas numa espécie de loucura, próxima do crime. --- Reitor soube e conversou com Alberto. Évora, bela cidade, extraodinária, perto de Lisboa, defeito de ser um meio pequeno - o que não sabem, inventam. Sofia, uma louca, o pai sabe-o bem, moço, e há o nome do Lieu... --- Reação diferente em Ana - inquietação interior, intensificada pela influência do catalizador Alberto, encontou solução na fé e na religiosidade, além de certa acomodação à realidade exterior - para Alberto, fuga do problema e nunca solução autêntica; sensível às ideias de Alberto, a ponto de inquietação no marido e interferência inútil de Chico. --- Alberto não saiu de Évora, pequeno mundo aos poucos se distanciando dele. Haveria um reecontro através de Alfredo, marido de Ana, nova visão de quem resolvera seu problema existencial; lendo sob um caramanchão, Alberto estremeceu intrigado, duas crianças próximas. Alfredo riu entusiasmado. "...a surpresa de que lhe falei. (...) filhos do Bailote, osdois mais novos. Ficamos com eles. (...) A minha Aninhas é feliz." Ana citou as crianças como, na linguagem do professor, pessoas vivas e independentes, consciência brutal de individualidade - nada disso é absurdo... --- Do retorno da casa de Ana. levou Sofia no carro. "Foi Alfredo quem os descobriu Ana os aceitou como se os esperasse há muito." --- A reação de Sofia foi não ter solução para o problema existencial, o que já é uma forma de solucioná-lo - diálogo com Sofia definitivamente encerrado. --- Desfecho trágico do romance: no dia seguinte, sol de Junho, Sofia apareceu num caminho, perto do Chafariz de El-Rei, assassinada a punhal, Carolino a matara. Alberto teria que comparecer ao juri, como testemunha ou resonsável moral, no ponto de vista de Chico, mas tal fato não se deu, já exercendo o magistério em Faro. Proposto exame psiquiátrico para o Bexiguinha. "Ela fazia pouco de mim, eu gostava muito dela (...) Eu matava-a e ela depois ficava a descansar, que é que valia matá-la? Ela descansava e quem sofria era eu. (...) ela évua coisa extaordinária, ela é muito grande, ela diz "eu" e quando diz "eu" é uma força enorme. (...) e eu reduzi a nada tudo isso. Mas tenho pena - oh, ela ébqueteveva culpa. Sinto-me orgulhoso de minha força, mas estou triste." --- Reação dele, perto da loucura ou já nesta, humilhantemente existencial, divergindo das reações de Ana ou da própria Sofia. --- No final do romance, morre a mãe de Alberto e ainda no final esse poder de concentração de linguagem. "Casei, adoeci, retirei-me do ensino. --- E o romance termina exatamente como teve início, tempo único em toda a narrativa. "Sento-me aqui nesta sala vazia e relembro." O tempo não existe, senão no instante em que estamos. "Que me é todo o passado senão o que posso ver nele do que me sinto, me sonho, me alegro ou me sucumbo? Que me é todo o futuro senão o agora que me projeto? O meu futuro é este instante desértico e apaziguado. (...) a vida do homem é cada instante - eternidade onde tudos se reabsorve, que não cresce nem envelhece. (...) O tempo não passa por mim: é de mim que ele parte, sou eu sendo, vibrando." --- Cada um de nós e responsável pelo que faz, devendo assumir essa responsabilidade em plenitude de onsciência. --- E a solução de Alberto Soares, qual seria? Ele mesmo nos informa. "Casei........." Evidentemente náo significa nenhuma solução para o problema centrado no interior do romance - a verdadeira solução, enquanto não chega a hora final do apaziguamento, não é apenas reinventar a inocência da infância pela música, mas certo esquecimento de si, na profunda comunhão do amor, o que será também uma forma de contornar o problema angustiante e que não tem mesmo solução alguma dentro dos limites existenciais em que se colocou.

(Segue.)

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 20/09/2018
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