O DIREITO DE (nascer e...) LUTAR PARA ESCREVER

Literatura anticolonialista, resgate das raízes angolanas, ficção ousada de LUANDINO VIEIRA (pseudônimo de José Vieira Mateus da Graça), nascido na lagoa do Furadoruro, em Santarém, Portugal, 1935 ou 1936, mas desde os dois anos criado em Luanda, Angola, inventor de um novo código linguístico, ou seja, mistura do português com dialetos angolanos, em ambiente nacional.

Sucessivas reedições e traduções: “A cidade e a infância” (1960), “A vida verdadeira de Domingos Xavier” (1961), “Vidas novas” (1962), “Luunda” (1964), “Velhas estórias” (1974), “Nós, os Mulukusu” (1975), “Macanlumba” (1978) e “João Vêncio”:os dois amores” (1979).

Caráter de revolta e denúncia, em especial na poesia revolucionária (também de diversos autores), concitação literária nivelando história e discurso, precedendo a independência geral em 1975. Poeta, desenhista, membro do MPLA, esteve preso de 1961 a 1972 nos cárceres fascistas do Tarrafal (ilha de Santiago, cabo Verde), onde escreveu “Luunda”, livro censurado e recolhido em Portugal pela censura slazarista, mas que circulou ilegalmente em Lisboa, como se tivesse sido impresso na ‘nossa’ Beagá.

Luandino Vieira, um dos mais hábeis escritores angolanos em elaborar esses dois níveis. Mesmo o ‘revolucionário’ preso, foi premiado pela Sociedade Portuguesa de Escritores, em 1965; a sociedade foi dissolvida pelo governo, destruída por organizações fascistas do próprio regime, três membros detidos e livro apreendido.

Na época da premiação, autor preso pelo envolvimento nas lutas pela independência de Angola e, aos olhos dos salazaristas, motivo para reações agressivas: os próprios intelectuais esquerdistas reconheceram inegável valor literário, mas sem qualquer conteúdo, provocante e panfletário como as autoridades portuguesas quiseram crer.

Em “Luunda”, três lições de bem-contar que funcionam como fotografias, não realismo e sim evidência real, e que testemunham o colonialismo e a violência social e econômica, exploração do homem.

A estória do garoto Zeca Santos e sua “Vavó xaxi”, infância dentro da fome, fábula exemplar a possibilidade de romper o círculo vicioso da miséria, ele mais uma vítima da gerações mutiladas: contra a fome, sagacidade e esperteza...Musicalidade triste./ O aleijado garrido se vê humilhado pela adorada Inácia, derramada de encantos apenas pelo papagaio Jacó – crescendo na raiva e no ciúme, ele decide roubar o papagaio, mas acaba preso antes de consumar o fato e deixa a cadeia antes que as emoções invernem. / A estória da galinha e do ovo acontece no quintal de outro, de quem é o ovo?

Uma das inovações de Luandino a nível de discurso consistia na mistura do português com quimbundo, em busca de um terceiro caminho, o entrecruzamento linguístico, a nível do léxico, mas principalmente da morfologia e da sintaxe.

No texto: “ Sentou o largo, redondo, duro mataco desenhado (...) até gostava era bicho”

Construções do tipo “ficou pensar”, “Pôs-lhe um arrepio”, “fugiu embora”, justaposição como “cadavez”, palavras como “mataco” e “jingubas”, estranhas ao falante nativo do português, a fala das personagens com a marca angolana, princípios do domínio inconsciente dos falantes. Instaurado esse novo registro, o conteúdo ‘revolucionário’ da obra se adentra.

Num texto, opressor e oprimido se defrontam: antagonismo entre a professora que se refere a ele como o único aluno branco da escola, e sem ascendência africana – conto “Estória D’Água Gorda”: “Branco, eu? eu sou todo negro, não é só na pele, pele não conta, embrulho de alma. Eu sou negro por dentro, claro negro de enxofre ardido, ou panela de feijões de azeite-palma, negras nódoas na bala (...) Negros risos de pássaros batidos nas nossas pedras (...) a nossa bela escola?”

Ofendido, o aluno passa a falar em quimbundo, discurso em favor da negritude.

Nas estórias de Luandino, a veiculação de uma ideologia francamente anticolonialista.

FONTES:

"Carta a José Luandino Vieira", de Fernando Paixão - EPA, Estudos Portugueses e Africanos - EIL, Campinas, n. 2, 1983.

"Luandino Vieira: o resgate das raízes angolanas" - BH, SLMG, ano XVIII, n. 882, 27/8/1988.

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 23/09/2018
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