O POÉTICO E O PROSAICO: PROPOSTAS DIFERENCIADAS

Cada conjunto textual possui uma proposta, desta sorte o rosto verbal aparece com máscaras diferenciadas. Cada uma delas com sua sugestão e teleologia. São espécimes bem diversos o texto de proposição intelectiva e o de conteúdo e sugestão poéticos, o qual tem nascimento e recepção no universo do sentir do leitor. Na última hipótese a razão pouco participa. A sugestão assentada na poética se estabelece (ou não) na receptividade do poeta-leitor, podendo atingir até o patamar da comoção – o nó na garganta, e, num repente, a incontida lágrima. O racional, em regra, expressa-se por meio da espécie prosaica e o desafio para ela, as mais das vezes, é o convencimento do receptor, vale dizer: este tem de concordar e aderir ao resultado da proposição dialética, ou então exsurgirá a síntese intelectiva do que pensa o leitor, que pode ser aprovativa ou não do que está posto como tese pelo autor – e esta é a resultante de um processo racional. Nesta segunda hipótese, a floração estética – o Belo – tem muito pouca importância, porque a peça não é apenas fruto de (e para) o prazer e gozo consequentes. Na proposta que exige a intelecção, não ocorre essa superficial sensação aprazível e/ou de encantamento, porque, em regra, “o pensar dói", tendo em vista que geralmente o processo dialético dá-se por consequência de uma ou várias ocorrências não imediatas. Leva tempo para se corporificar, devido a leitura preliminares, pesquisa, estudos específicos e muita paciência. Quanto a mim, em poesia ou na prosa poética, dá-me prazer em fazer alegorias, que nascem, decerto, lá na origem, a partir de uma infância pobre, porém encharcada de momentos de intensa felicidade. Permanece em mim o guri sapeca repleto de imagens e/ou o sempre disponível alter ego que imagina e dá vida a inusitados personagens, os quais remoem e remontam o espiritual até o surreal, que fala de si e por si através de imagens que perpassam tal um forasteiro que chega sem convite a uma plateia de novidades. O que pertence ao dia a dia, em assuntos, personificações e linguagem é muito mais fácil de ser bem recebido e entendido pelo leitor. A minha Poesia (nem sempre tão ingênua ou singela, mas pleníssima de humilde aprendizagem) naturalmente se traveste de diversas máscaras, indumentárias ou vestimentas peculiares. Faz isso para agradar a mim próprio ou ao meu trôpego e/ou insolente alter ego. Deve ser capaz de cooptar o meu leitor – que é vário e exigente – com diversos patamares espirituais de conhecimento experimental. Como escritor/poeta, o receptor/poeta é o meu alvo e alimento. Tenho sofrido algumas críticas sobre o "ar professoral" a mim atribuído, no caso de textos mais longos (como este) por alguns leitores nem sempre capazes de desprender-se do reiterado dia a dia e vir a dispender algum tempo de reflexão, que é o necessário cadinho para o escarvar, o alargar ou o redimensionar-se, a fim de que se torne possível ampliar os (seus) domínios espirituais e muita paciência e zelo para o enfoque e abrangência de alguns textos, especialmente no campo da teoria literária, ensaios, tutoriais e artigos sobre cultura e literatura. O que fazer? Nesses espécimes literários, em regra prosaicos, encontra-se pautada a longa trajetória nos amplos territórios estéticos e de pesquisa, em cerca de cinquenta anos e alguma leitura. Essas caraminholas verbais são o produto sempre inacabado – para mim o texto nunca está definitivamente pronto – que podemos apresentar e dispor no momento e representam também o singelo registro como autor frente aos leitores, para o desejado e possível apossamento deles devido ao assunto, conteúdo e/ou beleza rítmico-formal. Apercebo-me de que muitos destes “condenados ao pensar” estão sempre prontos para expor suas criações, dispostos a discutir, revisar suas ideias e a oficinar os seus escritos (quando por si mesmos convencidos), a conceder emendas, visando a produção de textos mais elaborados e metaforizados, especialmente em Poética. São essas concessões assentadas na experimentação de uns e outros, os quais me reconhecem hígido de perplexidades, sempre à busca do Novo, do humano e do estético, sob variegados prismas ou enfoques: afinal, cada um vê o mundo segundo intimamente o concebe. Na minha concepção (tendo em vista a codificação de linguagem inerente à Poética) a peça lavrada em Poesia sempre se insere mais facilmente no mundo dos fatos do que a proposta do dizer prosaico. Tenhamos em conta que o poema é resultante do exercício da arte literária, porém não pertence ao mundo fático, vale dizer, à realidade do dia a dia. Revela-se nesta como um bem emocional, chegando até a comoção através da vivificação dos sentimentos, que dá um nó na garganta e leva ao marejar das lágrimas, tudo envolto nos véus identificadores do pensamento estético, contudo, o exercício do sentir não perde sua natureza de irrealidade, portanto, nada mais do que frutificação da inventiva, da farsa, da fantasia e dos desejosos sonhos. A Poética é a contenda do homem em busca de si mesmo, em tal dimensão, forma e intensidade que o permita conviver pacificamente com a realidade, que é inóspita, exigente e hostil quanto ao exercício do fraterno. No entanto, é a confraternidade visitada pela ontologia – o conhecimento do ser – o que mais conforta ao poeta-autor, bem como ao poeta-leitor, enfim, também ao criador do texto autoral versado em prosaísmo, à expressão em estilo prosaico, e ao dedicado e, em regra, exigente escritor-leitor. Cada um com o seu universo de simples proposta ou a palavra ardilosamente gestada, segundo as concepções de seu pessoalizado mundo. O que vale é a explicitação em verso ou em prosa sobre o que nos conforta ou oprime. Vem daí a fina sintonia com o sentido e amplitude da palavra Liberdade: o teor da profundidade do silêncio ou o pedido de socorro dos que ainda não a conseguem habitar. É neste momento que a palavra “energia” recebe o “E” maiúsculo. O mesmo que aparece no verbete dicionarizado “Esperança”. Não a inicial “e” de espera, e sim, a de Esperançar.

– Do livro inédito OFICINA DO VERSO: O Exercício do Sentir Poético, vol. 02; 2015/20. Revisado.

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