O CORDEL - PESQUISAS ANTIGAS - PARTE III

Tudo pronto - TV, vídeo, aparelho de som, jornais e revistas. Alunos do ensino médio da Escola do Estado da Bahia, no Crato, pesquisam na mídia versátil e planejam entrevista com o poeta PATATIVA DO ASSARÉ que canta a história do povo nordestino. Aluno batuca na carteira e canta: "Seu dotô, só me parece / que o sinhô não me conhece / nunca sôbe quem sou eu nunca viu minha paioça / minha muié / minha roça / e os fios que Deus me deu." - Versos do PATATIVA naz do cantor FAGNER em "Vaca Estrela e boi Fubá. Letra da música na linguagem popular; depois da entrevista, discussão sobre as linguagens culta e popular, diversidade dos falares, pluralidade cultural. ----- Perfil de PATATIVA , violeiro e poeta desde menino, por muito tempo sua poesia foi conhecida apenas por quem via suas apresentações em feiras e festas do Nordeste, mas na década de 50 começou a recitar na rádio do Crato e logo seus poemas viraram livro. ----- Ele já foi tema de teses acadêmicas, recebeu medalhas, troféus e até título de 'doutor honoris causa' da Universidade Regional do Cariri - subiu no palco ao lado de artistas mais jovens, como Fagner, apareceu no cinema e em novela, "Renascer", 1993 - prêmio da Ministério da Cultura, categoria Cultura Popular, 1995. ----- Museus pelo caminho. Na viagem até Assaré, terra do poeta a 76 quilômetros do Crato, uma parada em Nova Olinda para visita ao "Memorial do Homem Kariri, museu de cultura popular instalao em casa restaurada do século XVIII; próxima parada, em Santana do Cariri, Museu de Paleontologia da Universidade Regional do Cariri, fósseis de Pierossauros, répteis voadores que viveram na região. ----- Por que sertão? Atualmente, o termo 'sertão' é mais utilizado para designar o interior da macro-região Nordeste - seria uma "região natural" onde predominam as estiagens (secas) duradouras e consequentemente maiores dificuldades para a vida vegetal, animal e humana, sobretudo atividades agrícolas. EUCLIDES DA CUNHA, engenheiro, militar e republicano, em "Os sertões" do início do século XX, refere-se a eles como "barbaramente estéreis, maravilhosamente deslumbrantes" - a frase "O sertanejo é antes de tudo um forte" tenta explicar as condições de sobrevivência em ambiente tão inóspito. Ao conhecer a Amazônia, afirma que as populações mestiças se tornaram "bravas' por viver em condições vistas como desfavoráveis pelos "homens civilizados". A ideia de sertão coincide com a ideia de "fronteira" ou "frente de expansão". Mais recentemente, de terra seca passou a ser vista como desconhecida para os "homens da civilização" ou "terra misteriosa", retomada por GUIMARÃES ROSA em "Grande sertão: veredas", que alardeia uma dimensão mítica do sertanejo. Assim, ainda cabe nos dias de hoje tanto a ideia de "sertão nordestino", com seus elementos particulares centrados simbolicamente em cidades ou serras (Sertão dos Inhamuns, Sertão de Canudos, Sertão de Ibiapaba), como a ideia de lugares onde a existência humana não foi massificada e "engolida" pela sociedade urbano-industrial. Podemos entender então porque há "sertões" úmidos, como o de Araripe, Ceará, onde devido às fontes e quantidade de chuva, ocorre mais umidade e maior produção agrícola. - WILLIAM ROSA ALVES, professor de geografia, UFMG. ----- ENTREVISTA com o poeta. --- Na cadeira de balanço, PATATIVA DO ASSARÉ, 90 anos (1999), camisa de linho, chapéu e cigarro, afiadíssimo nos versos. Em casa, praça principal de Assaré, cidade de 10 mil habitantes, espera as visitas que vêm do Crato. Professores e alunos chegando cantando "Triste partida", música e letra dele, sucesso na voz de LUIZ GONZAGA, alguém comenta que é "o hino do Nordeste, poeta fica emocionado, saudades de Luiz, "o Rei do Baião". --- A primeira pergunta é "Como você se sente aos 90 anos?" Resposta sob a forma do poema "Minha idade e minha poesia", composto na época do niver, 5 de março. --- Ih, problema na entrevista com o maior poeta popular vivo do Brasil: gravador não funciona. Mas nem a cegueira nem a surdez abalam o fino senso de humor de PATATIVA... brinca com as palavras: "Gravador tu gravas tudo, só não gravas a minha dor." --- "O senhor sente orgulho de ser filho do Ceará?" "Tenho orgulho de ser do campo como eu sou. Deus quis que eu nascesse na terra de Santana, a 18 quilômetros do centro de Assaré, que fosse um agricultor como fui, trabalhando todo dia na roça e compondo a minha poesia lá mesmo. E não foi escrevendo os versos como quase todo poeta faz. Eu faço versos de improviso, viu?" --- "Como o senhor aprendeu a fazer versos?" "Nasci com esse privilégio. Desde criança que eu sei fazer versos. Decidi empregar a minha lira cantando a verdade e a justiça. Aprendi esse tema social lendo as pregações de Jesus na Palestina." --- "O senhor gostaria de ter estudado?" "Estudei só seis meses. Aprendi a ler e escrever. Mas quando tinha trégua no meu trabalho ia ler. E não era livro didático, não, viu? Era livro de História, de poesia, jornal e revista. nessa constante leitura, aprendi o vocabulário com o qual eu posso compor e recitar, tanto a poesia matuta como a erudita. O que eu lia nos livros eu sabia interpretar e por isso aprendia tudinho." --- "E o poema "Minha idade e minha poesia"? O senhor recita de novo?" --- "Pois ninguém fale, viu?, enquanto eu estiver recitando." E o poeta recita, prevendo o passar dos anos: "Completo 90 anos, / é idade bem comum. Vou seguindo novos planos / para os meus 91 (...) Se a nossa vida é um drama / e esse mundo é um teatro / conduzindo a mesma fama / recito aos 94. / Para mostrar meu dom / com sou poeta bom / com a poesia brinco / mesmo com esse absurdo / assim canto cego e surdo / recito aos 95. / Canto a terra e o infinito / nesse simples português / compondo um verso bonito / recito aos 96. / Cortando como gilete / passo por 97 e vou aos 98. Não há quem me desaprove / eu nos meus 99. Rimo afoito com biscoito / mas quando completar 100 (...) Vou todo cheio de ruga / igualmente a tartaruga / com o pensamento fraco / caducando lá no canto / rimando diabo com santo / e careta com macaco." ----- QUE LUGAR É ESSE? --- CARIRI - Região no sul do Ceará, clima mais ameno , água o ano inteiro, agricultura desenvolvida e áreas de vegetação tropical abundante - tem 28 municípios, entre eles Crato, um dos mais importantes do Estado, Santana do Cariri, Assaré, Nova Olinda, Juazeiro do Norte e Barbalha. -- SOMBRA E ÁGUA FRESCA - A Chapada do Araripe estende-se por 160 quilômetros na fronteira entre Ceará, Pernambuco e Piauí e abriga a Floresta Nacional do Araripe, 38.262 hectares; só no lado cearense, nascem 303 fontes perenes de água. -- LUGAR DE ARARA - Araripe quer dizer 'lugar cheio de araras', segundo os índios cariris, antigos moradores da região. -- O MAR VIROU SERTÃO - A Chapada do Araripe já foi fundo de mar e hoje abriga uma das maiores jazidas de fósseis do planeta, período Cretáceo, entre 136 milhões e 65 milhões de anos, época em que surgiram os primeiros vegetais com flores e os dinossauros começaram a desaparecer. -- FREGUESIA - Em 1763, Crato foi elevado a freguesia (povoação, em concepção eclesiástica; originalmente, dizia-se freguês, possivelmente do latim 'filiuecclesiae', de ou que pertencia à mesma paróquia); em 1853, tornou-se cidade. -- PÒLO CULTURAL - Já na Colônia, a presença dos missionários empenhados na evangelização dos índios fez do Crato o pólo cultural no Cariri; em 1875, seminário e escola católica recebendo alunos de todo o Nordeste. -- PADRE CÍCERO - Nasceu no Crato em 1844 e viveu em Juazeiro do Norte a 10 quilômetros de distância, onde foi político e padrinho de muita gente; morreu em 1834. até hoje todo dia 20 missa em sua homenagem. -- A ESTÁTUA E A LADAINHA - Orgulho da região, a estátua de "Padim Ciço", 1969, tem 25 metros de altura e pedestral de 8 metros; nas imediações, venda de badulaques e canto de 'benditos' para os romeiros, toda a estória do padre. -- CORDEL E CANTORIA - O Cariri é um dos principais centros nordestinos de LITERATURA DE CORDEL - no Crato, uma academia de cordelistas. Há também muitas modalidades de cantoria: repente de viola, embolada, aboio e outos.

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FONTE:

"Ensino médio pesquisa diversidade da língua" - Revista TV Escola, set./99.

(Segue.)

Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 18/01/2020
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