CÓDIGOS DO MISTÉRIO

– para Juliano Stapenhorst Schwarz

Somente o estado de Poesia, aquele que toma conta do poeta-autor num repentino momento, é que permite que o poema com Poesia se materialize, dando voz ao Mistério.

Pelo que venho observando nestes quase cinquenta anos de engajamento nesse prazeroso e exaustivo processo de "condenação ao pensar poético", é que a criação (escrita) que o seu criador pretende seja um "poema com Poesia", em regra, usualmente seja não mais do que tímidos e singelos versos, o que, com franqueza equivale a dizer: temos frente aos olhos um texto sintético e simpático, no qual comparecem palavras bonitas ornadas de emoção, contendo uma forte dosagem de melodramática doçura.

Contudo, estas palavras não apresentam de per si, autonomamente, por falta de trato ou intimidade para com os signos tradutores da boa poética, dotado de incisiva e/ou “ferido de mortal beleza”, e, por vezes, a falta de uma apreciável altissonância ou altanaria para com esta percepção do Belo, não conseguem adentrar ao território espiritual da Poética, com genuína capacidade de imantar o leitor desta peça, conduzindo-o a um imediato estado de comoção.

Talvez porque falte ao texto, devido à ausência de ritmo ou a não constatação do fenômeno tecnicamente denominado de imagética ou imagística.

Com a introdução das imagens, na sacralidade deste momento único, está sendo gestado um novo mundo de percepção do conteúdo para as palavras em seus domínios transcendentais: os significantes e seus respectivos significados.

Pela utilização da figuração de linguagem, especialmente as metáforas e metonímias, subverte-se o sentido original ou genuíno da palavra, sendo que esta adquire um novo sentido, ganhando em amplitude e em beleza estética, exigindo do receptor várias reflexões congeminadas ao ritmo e à harmonia.

Este conjunto de vetores conduzem à comoção – um estado psíquico em que nitidamente prevalece, no poeta-leitor, o envolvimento emocional e quase nada de utilização dos mecanismos ou quaisquer outros processos originários da razão. É a esse o conjunto verbal que denomino "poema com Poesia ".

Desta sorte, pode-se compreender com razoável nitidez, que existem no mundo da criação literária, versos com ou sem Poesia. O que equivale a dizer, nestes últimos a Poesia não comparece.

Todavia, o formato pelo qual são apresentadas as palavras não deixa dúvida de que o autor deseja que sejam versos, não pela presença da Poesia neles, mas pela apresentação formal com que as frases se apresentam, sugerindo que o autor pretendeu escrever um poema e não uma crônica, um conto, um texto para utilização na dramaturgia teatral, etc.

Portanto, nessa catalogação do “poema sem Poesia”, aparecem versos em que a tradução verbal desse estado psicossomático, incomum e único, não chega a acontecer, ou seja, a emoção não imanta suficientemente o espírito autoral a ponto de instalar-se a Poesia de modo a que este possa vir a ser o arauto do Mistério.

É possível dizer-se, a bem da verdade, da arte da palavra escrita urdida com o talento e a colaboração de técnicas de criação, somente possa ser convalidado artisticamente por essa circunstância curiosa e singular, que é o “estado de poesia”. Neste, é prevalente que a palavra em seu vestido de festa (ou gala), devido à ocorrência do uso das metáforas e outras eventuais figuras de linguagem possa se manifestar a materialidade da Poesia, que é, exatamente, o poema com Poesia.

Desta sorte, não basta que o autor do conjunto textual queira escrever poemas. A ele cabe encontrar-se ou ser revelado pela Poesia. Como certa vez disse o mestre Mário Quintana, não adianta correr atrás da Poesia, porque é esta quem encontra o poeta e se revela em formato, linguagem, ritmo e estética, materializando-se no poema.

Quando estamos frente a um bom conjunto poético, naturalmente, por força de sua invulgar constituição como peça única e autônoma materialidade, apresenta-se aos olhos do poeta-leitor uma revelação textual que efetivamente contém, emite ou suscita Poesia, conforme preceitua Octavio Paz Lozano, poeta, ensaísta, tradutor e diplomata mexicano, Nobel de Literatura de 1990, prêmio este concedido pela academia sueca, principalmente por seu trabalho prático e teórico no campo da poesia.

MONCKS, Joaquim. A MAÇÃ NA CRUZ. Obra inédita, 2021.

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