TERRAÇOS PRECIPÍCIOS

TERRAÇOS PRECIPÍCIOS

Sentado no mais alto parapeito,

Suspiro ante meu último momento,

Olhando para baixo contrafeito.

Subi ao derradeiro pavimento,

Que do alto do edifício sobreavança

Lavado pela chuva e pelo vento.

Cá m'entrego à total desesperança,

Enquanto o corpo todo em calafrios

Se agita co'o que trago na lembrança.

Às voltas com extremos desvarios,

Oscilo como um junco na lagoa

Durante a tempestade aos ventos frios...

Lamento apenas ser essa pessoa

Que o Universo esmagou indiferente

E cujo uivo, por fim, o abismo ecoa.

Sim, é o fim que tenho à minha frente.

Ou melhor, o jogar-me sobre o nada

E assim sumir do mundo de repente.

Minh'alma de si mesma abandonada

Clama pelo vazio das alturas

D'onde eu surpreendia a madrugada.

Angustiado após tantas desventuras,

Vim a estas desoladas soledades

Debulhar meu rosário de amarguras:

Em meio a desacertos e inverdades,

Vivi buscando paz a mim e aos meus,

Encontrando somente insanidades...

Quantas vezes roguei aos pés de Deus?!

Quantas vezes pedi por lenitivo?!

Sozinho, para os astros digo adeus...

Em face já da morte, ainda vivo,

Contemplo-me avançando para o abismo

No afã de me matar por fim cativo.

Deveras, deixo todo humano egoísmo

No pátio cimentado do edifício

Contra o qual lavo em sangue insão batismo.

Relembro desde o fim o meu início

A ver, uma a uma, minhas vãs misérias

Marcadas pela dor e pelo vício.

E o amor que se perdeu... Pelas artérias

Pulsa m'envenenando o coração...!

Um corpo dado a vermes e bactérias.

Olhando para baixo, um sim ou um não.

Imaginava a queda em minha mente

E minh'alma deixando o corpo ao chão...!

Um impulso mais forte para frente

E todo o sofrimento se acabava,

Fazendo parecer um acidente.

Pois diante do vazio eu m'encontrava...

Certo de atravessá-lo n'um segundo,

Enquanto a minha mente errante errava.

Considerei a dor de todo mundo

Em face do que foi e o que será

Depois de me jogar no vão profundo.

Apenas quem na noite escura está

Entende esta infinito desespero

Que me persegue aonde quer que eu vá.

A presença dos outros mal tolero

De modo que m'encontro em soledade.

Igual um zero à esquerda d'outro zero.

Pensei na solidão ter liberdade,

Mas liberdade burra a solidão

Àquele que ao vazio a mente evade.

Pois ouvi as razões do coração,

E n'elas me perdi enamorado,

Tendo, por fim, tão-só desilusão.

Olho à frente, mas vejo só passado,

Revendo, obstinado, meus amores

De quem a vida tem me separado.

Rememorei também tantos horrores

Dos dias mais estranhos d'esta vida

Nos quais eu conheci extremas dores.

Como antevi minh'alma adormecida

Dissociada do ser atormentado

Que do alto parapeito s'encomprida

Depois eu vi meu corpo espatifado,

Como um cristal partido em mil pedaços

No piso por si mesmo abandonado.

E vi aqueles meus últimos passos

Que tendo a este vazio me trazido

Projeta-me, afinal, aos vãos espaços.

Senti até o espasmo destemido

De encontrar com a morte lá embaixo

Como se pelo fim me decidido.

Mas saí do parapeito cabisbaixo

E desfiz os meus passos para o nada

Descendo por escadas prédio abaixo.

Cheguei ao pilotis no fim da escada

Onde antevi meu corpo desabado,

E minh'alma de mim já desligada.

Olhei o parapeito abandonado

E me vi a mim mesmo entristecido

Como se ainda n'ele eu assentado.

Vi o quanto eu estava 'inda perdido

Às voltas co'os fantasmas que desvi

Que tenho a vida toda convivido.

Porém, não me matei e nem morri

Passei somente a noite mais escura

D'entre todas as noites que vivi.

Betim - 24 12 2020