A HISTÓRIA DE BADEJO E OUTROS CASOS

Caríssimos leitores,
     Foram tantos os e-mails recebidos aludindo ao último texto por mim publicado que, surpreso e motivado por tantos interesses, volto ao tema neste instante em que o poeta dá vez ao advogado.
     Para não  tornar muito extenso o texto, aqui resumo o essencial (Excluindo a fundamentação técnica) de algumas decisões proferidas pelo meritíssimo Juiz, dr. João Batista Herkenhoff e publicadas em sua obra Uma Porta para o Homem no
Direito Criminal, reiterando aqui a importância dessa leitura que nos dá uma visão precisa, justa e humana do verdadeiro operador do Direito de que ele é símbolo.

CASO DE NEUZA, A EMPREGADA DOMÉSTICA.

Síntese.


"Que certo dia, Neuza, vendo a oportunidade de furtar 150 reais da patroa, cedeu à tentação, cuja quantia subtraída permitiria a ela retornar a sua cidade.
O patrão, porém, descobre o furto e implacavelmente chama a polícia. Neuza é colocada dentro de um camburão e, como ladra, vai para a cadeia."


Despacho Revogando Prisão de uma Empregada que Furtou.

“Considerando o pequeno valor do furto;
considerando o minúsculo prejuízo sofrido pela vítima que, a rigor, se o Cristo não tivesse passado inutilmente por esta terra, em vez de procurar a polícia por causa de 150 reais, teria facilitado a ida da acusada para Governador Valadares. [...]
considerando que a acusada é quase uma menor, pois mal transpôs o limite cronológico da irresponsabilidade penal;
considerando que o Estado processa uma empregada doméstica que lesa seu patrão em 150 reais, mas não processa os patrões que lesam os seus empregados, que lhes negam, salário que lhes furtam os mais sagrados direitos;
considerando que o cárcere é fator criminológico e que não se pode tolerar que autores de pequenos delitos sejam encarcerados, para nessa universidade do crime, adquirir aí, sim, intensa periculosidade social;
RELAXO a prisão de Neuza F., determinando que saia deste Palácio da Justiça em liberdade.

Lamento que a justiça não esteja equipada para que o caso fosse entregue a uma assistente social que acompanhasse essa moça e a ajudasse a retomar o curso de sua jovem vida. Se assistente social não tenho, tenho o verbo e acredito no poder do verbo, porque o verbo se fez carne e habitou entre nós. Invoco o poder deste verbo, dirijo a Deus este verbo e peço ao Criador que está presente nesta sala, por Neuza F. Que sua lágrima derramada nesta audiência, como a lágrima de Madalena, seja recolhida pelo Nazareno.”



ABSOLVIÇÃO LIMINAR DE JOVEM ACUSADO DE CONSUMIR TÓXICO.

Síntese.

Jovem de 18 anos, que quer ser engenheiro eletricista e que se delicia com aventuras de JúlioVerne, é absolvido após a defesa prévia, abandonando-se, na espécie, a regra legal, que exigiria prosseguisse o processo todos os seus trâmites.

Passo a decidir:

“.....Ensinou o grande mestre do direito, Eduardo Couture, que atrás das formas processuais existe alguma coisa que é a própria substância do Direito. Assim, a forma processual é apenas um instrumento para alcançar a finalidade, que é a justiça. O ofício judicial é um ofício de ciência e a arte muito longe estando de ser apenas técnica. A justiça, sobretudo a Justiça Criminal, lida com seres humanos, lida com dramas, lida com vida, sangue e alma. Não é apropriado que se trate de problemas humanos apenas com técnica. Ao legislador cabe a fixação das diretrizes gerais dos sistema jurídico. Ao Juiz cabe a individualização dos casos, cabe ser antena capaz de sentir as dores e morrer de dores que não são suas, como se lê aos versos do poeta Newton Braga, esculpidos no busto que Cachoeiro, minha terra, lhe ergueu na sua praça principal.

Temos diante de nós um menino, que só cronologicamente ultrapassou a idade de 18 anos, fixada pelo legislador teoricamente como idade que baliza a responsabilidade criminal. É um jovem que quer ser engenheiro eletricista, que se delicia com as aventuras de Júlio Verne, que namora uma menina de 16.
Receba Cláudio a sentença absolutória deste Juiz, as palavras de conselho do Dr. Promotor, como um voto de confiança na sua vida, como a mão que se estende até sua mão com o desejo de impulsioná-lo para frente e para o alto. Para a frente e para o alto, no sentido certo que deve ser esta expressão: para a frente, superando sempre sua própria pessoa; para o alto, realizando plenamente a existência humana, buscando um sentido cada vez mais nobre como orientação de viver. Não para frente e para o alto, dentro do modelo competitivo que se tenta impor ao povo, não na busca desenfreada de possuir, mas no empenho constante do “ser”.
Espero que este encontro de Cláudio com a Justiça não lhe deixe uma marca ou uma nódoa, mas, pelo contrário, desejo que sua passagem hoje por esta sala o ajude a crescer e ser gente.
Tudo ponderado, acolho o pedido do Dr. Defensor Público, sobrescrito nobremente pelo Dr. Promotor, e excluo Cláudio deste processo [...].


A HISTÓRIA DE BADEJO

Síntese.

História de Jamilson, vulgo”Badejo” é a história de um pedreiro envolvido inocentemente nas teias de um processo criminal.

“A magnanimidade deste Juiz não é uma magnanimidade sentimental. É uma magnanimidade filosófica, baseada numa concepção de Justiça, fruto de um esforço permanente de descer à realidade do homem julgado, buscando decifrar o enigma de cada ser, fugindo da violência de exigir a subida do homem a uma pauta de valores legais que lhe é inacessível porque desligada do seu mundo fenomenológico. Para esta visão de Justiça sofro a influência sobretudo de Carlos Cássio, Recaséns Siches Husserl e Heidegger;

Não vejo como possa essa conduta contribuir para o desprestígio da justiça, senão segundo a própria concepção do meu julgador. ( Refere-se às críticas de alguns colegas) Eu desprestigiaria a Justiça se assim agisse apenas em favor dos pobres, dos ricos dos influentes, dos que podem contratar equipes de advogados. Mas não desprestigio a justiça, e sim a honro, e sim a faço acreditada pelos miseráveis submetidos a minha consciência, pelos serventuários que comigo trabalham, pelos advogados que pleiteiam junto a mim, quando em favor de todos, indistintamente, reconheço a vigência dos dispositivos da declaração Universal dos Direitos do Homem, da Constituição e dos códigos; ter direito a proteção da Lei; ter direito de receber dos tribunais remédio para os atos que violem as franquias fundamentais; ter direito a julgamento imparcial; ter amplo direito de defesa.


“Quando o mundo se prepara para celebrar a Paixão e Morte de Jesus Cristo, quando famílias se reúnem para comemorar sua Ressurreição, no domingo de Páscoa, quando a Igreja Católica conclama o povo brasileiro em prol da Fraternidade e Segurança Pública e a Paz como Fruto da Justiça, - ecoe- também neste foro o brado de Justiça e trabalho para todos. Justiça para o operário, defendido bravamente pelo advogado que não esqueceu a humildade de sua origem e mantém intacta, apesar dos percalços da vida a capacidade de se identificar com os pobres e os oprimidos. Seja a liberdade do operário Jamilson S. a nossa ceia e a nossa Páscoa. Purifique-me esse ato de justiça a fim de que, pecador também, possa concelebrar com todos os homens de boa vontade o martírio de Cristo, que foi a nossa libertação e a liberdade dos pobres e a liberdade dos oprimidos e a água viva e eterna dos que têm sede de Justiça. A Jamilson não lhe restituo a liberdade, num despacho meramente emocional, mas na convicção de que não há nos autos a liquidez de certeza, caracterizada do flagrante. Reservo-me obviamente uma apreciação global dos fatos, depois que a instrução vier a ser concluída.

EXPEÇA-SE incontinente o alvará de soltura.

* Extraído do livro Uma Porta para o Homem no Direito Criminal, de JOÃO BAPTISTA HERKENHOFF

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Desnecessário aqui relatar uma experiência vivenciada quando eu, então estagiário,  levei à comoção promotor e juiz no caso de furto de uma bicicleta em que se envolveu um jovem de 18 anos, que após a audiência na qual fora absolvido, abraçou-me  numa confusão de lágrimas dele com as minhas.
LordHermilioWerther
Enviado por LordHermilioWerther em 21/03/2009
Reeditado em 30/03/2009
Código do texto: T1498438
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