O desarmamento da população brasileira – uma necessidade do Estado democrático de Direito?

A doutrina ensina, Hely Lopes Meirelles em sua obra Direito Administrativo Brasileiro, Editora Revista dos Tribunais, que o Estado é uma pessoa jurídica de direito público, constituído basicamente de três elementos, o povo, o território e o governo soberano. A ausência destes elementos impede a existência efetiva do Estado. Mas, não se pode esquecer que nenhum país sobrevive sem estabilidade política, econômica, e uma efetiva manutenção da ordem pública, em todos os seus aspectos.

No período de 1964 a 1985, o Brasil vivenciou o que se denominou de ditadura, onde a liberdade teria sido cerceada em nome de um governo autoritário, que não permitia o debate e nem mesmo a discussão de idéias. No Estado de Direito que tem como característica o respeito à lei, o debate é uma das principais premissas asseguradas ao povo e aos estudiosos, que buscam construir uma sociedade mais justa e fraterna.

Alguns veículos de comunicação ao que parece em parte já fizeram uma opção pela proibição do comércio de armas no Brasil. A solução para a violência vivenciada pelo país esta na proibição da venda de armas de fogo as pessoas que também são conhecidas como cidadãos de bem, talvez em oposição ao cidadãos de mal, ou seja, os infratores.

Os estudiosos das questões de segurança pública que buscam entender o fenômeno que foi denominado de violência urbana e que tem assolado o Brasil de Norte a Sul, nos pequenos, médios e grandes centros, sabem que os problemas vivenciados pela população não se limitam apenas e tão somente a questão do desarmamento, ou ainda, a permissão ou não da comercialização de armas de fogo de calibre permitido.

A caneta, simples ou sofisticada, bic ou parker, tão conhecida das pessoas também tem sido uma arma tão efetiva quanto qualquer outra, e tem custado muitas vidas pelo Brasil afora, pois os desvios de verba pública e as improbidades administrativas levam os recursos financeiros que são essenciais para combater a raiz da violência, ou seja, a falta de uma efetiva distribuição de renda e de oportunidades aos trabalhadores desta nação.

As pessoas que já estiveram em uma Casa de Armas sabem que a aquisição deste bem exige o preenchimento de vários requisitos objetivos e subjetivos, sem os quais o interessado não consegue efetuar de forma efetiva a compra. Além disso, mesmo que os requisitos sejam efetivamente preenchidos nenhuma pessoa consegue sair da loja com a arma comprada em mãos. Somente após a análise dos requisitos objetivos e subjetivos pela autoridade de polícia competente é que o interessado poderá ter acesso a arma de fogo que foi adquirida.

A verdade para muitos que fazem uma reflexão doutrinaria e jurídica sobre o assunto é outra. Será que a violência existe por que as pessoas de bem se utilizam de suas armas de fogo para matarem outras pessoas ? Será que a violência existe por que os proprietários de armas de fogo permitem que estas cheguem até os infratores ?

Na realidade, esta afirmativa não passa de um sofisma, uma premissa divorciada da realidade, uma vez que a violência urbana tem outras causas, que não estão relacionadas com o uso de armas, mas com a precariedade por exemplo do sistema penitenciário, do ensino publico, dos hospitais públicos, da falta de empregos, entre outros.

Qualquer pessoa que já assistiu a um telejornal sabe melhor do que ninguém que os infratores, principalmente os que atuam nas organizações criminosas, não se armam com armas calibre 32, 38, 22, ou mesmo com a semi-automática 380. A arma padrão dos infratores que assustam as pessoas nos médios e grandes centros e que colocam o povo em pânico são armas de calibre ponto 40, rifles como o AR-15, o AR-15 Baby, o lança granada, entre outros, que não são vendidos para as pessoas de bem nas Casas de Armas.

A campanha do desarmamento não impediu a ocorrência de novos atos de violência na cidade do Rio de Janeiro, onde as armas que foram utilizadas pelos infratores em regra não eram nenhuma daquelas que são vendidas nas Casas de Armas. Talvez, os policiais militares que perderam um braço, uma perna, ou mesmo ficaram paraplégicos, vítimas de tiros de rifles AR-15, Ar-15 Baby, Magal, entre outros, ou das armas de calibre ponto 40, se sintam mais seguros no cumprimento do seu dever com a proibição de venda de armas de fogo em todo o território nacional.

O momento não deve ser apenas e tão somente de proibição da venda de armas. O trânsito no Brasil mata centenas de pessoas por ano. É preciso que também se faça uma campanha para a proibição da venda de carros. Além disso, muitos acidentes de trânsito são ocasionados pelo consumo de bebida alcóolica, que é uma droga, ainda que legalizada, cuja venda também deve ser proibida. Se o Brasil vive de modelos de outros países deveria adotar a lei seca como fez os Estados Unidos da América na época de Al Capone. Ou será que as várias pessoas que morreram no trânsito vítimas de motoristas imprudentes que haviam ingerido bebida alcóolica não merecem esta consideração?

As pessoas têm o direito de saberem a verdade a respeito dos acontecimentos que interessam a coletividade. A violência que existe no Brasil não tem como causa principal a venda de armas de fogo em estabelecimentos comerciais devidamente autorizados e fiscalizados, mas em problemas de ordem estrutural como por exemplo a falta de respeito com a coisa pública, os atos de corrupção, entre outros, que levam dos cofres públicos grandes somas em dinheiro pertencentes ao tesouro nacional que é um patrimônio do povo.

Na realidade, o que se deve fazer é uma regulamentação mais severa do uso de arma de fogo. As pessoas poderão ter uma única arma apenas em sua residência ou no seu comércio, se assim o quiserem, desde que observados os requisitos objetivos e subjetivos estabelecidos em lei. Além disso, para que uma pessoa possa portar esta mesma arma de fogo fora de sua residência ou comércio dever ser submetida a exames, treinamento, análise de comportamento, e deverá ainda apresentar uma justificativa para o uso da arma de fogo fora de casa ou do comércio.

As questões de interesse nacional devem ser mais estudadas e discutidas. Percebe-se que a população brasileira está sendo desarmada, mas será que os infratores também estão colaborando de forma efetiva com a campanha do desarmamento? Ao que parece estas pessoas não costumam freqüentar as Casas de Armas, e nem mesmo costumam se armar com armas leves.

A respeito do assunto, deve-se destacar o entendimento do Ministro Flávio Flores da Cunha Bierrembach, segundo o qual, “A aprovação do referendo sobre a proibição de venda de armas e munições no Brasil é "um absurdo jurídico”.

Os instrumentos do plebiscito e do referendo só podem ser aplicados para definir direitos coletivos ou direitos difusos e não para estabelecer vetos a direitos individuais. "O cidadão de bem tem o direito de possuir uma arma para se defender dos criminosos". (Jornal O Estado de São Paulo, Quarta-feira, 13 de abril de 2005)

O direito de possuir uma arma de fogo na residência ou no comércio não é e nunca foi um incentivo à violência. As pessoas denominadas de bem sabem as conseqüências que ficam sujeitas pelos seus atos. Mas, se em algum momento estas pessoas de bem tiverem as suas casas invadidas no meio da noite, será que elas poderão ficar tranqüilas sabendo que os infratores não estarão armados, talvez quando muito portando uma faca, ou um tacape, ou mesmo qualquer outro tipo de arma que não seja uma arma de fogo, e que a questão poderá ser prontamente resolvida com o acionamento do telefone 190.

Mas, se o infrator matar qualquer uma das pessoas que se encontravam no interior da casa, partindo-se da premissa que a polícia não consiga chegar a tempo por ser um bairro afastado do centro da cidade, o que fazer ? Neste caso, pode-se afirmar que a família com certeza, caso alguém sobreviva, poderá ingressar com uma ação de indenização por danos morais e materiais contra o Estado, sem ficar sujeita a precatórios, buscando desta forma uma reparação pela omissão ou pela má qualidade do serviço de segurança publica que foi prestado. Afinal a integridade física e patrimonial em atendimento ao art. 5º, da CF, é um direito fundamental de todos os brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil.

O desarmamento na realidade não é e não será a solução para os sérios problemas de violência enfrentados pelo país, que também têm a sua origem nos desvios de recursos públicos. Mas, se na pior das hipóteses esta for a vontade da população, que deve ser respeitada, o legislador deve também prever de forma expressa o valor e os meios, caminhos, para que as pessoas vítimas de crimes de morte, ou qualquer outro crime capitulado no Código Penal, ou nas Leis Especiais, que foram praticados com o emprego de arma de fogo, possam ser indenizadas pela demora ou mesmo pela omissão do Estado na prestação de um serviço de segurança pública que não seja de qualidade e eficiente, na forma das disposições do art. 37, caput, da Constituição Federal.

Por fim, o legislador também deve convocar a população para que esta se manifeste quanto ao crime de corrupção. A pergunta deve ser: O crime de corrupção e os seus assemelhados, concussão, excesso de exação, peculato, improbidade, devem ser considerados hediondos, e a pena destes crimes ser cumprida em regime integralmente fechado sem qualquer tipo de beneficio ?

O país deve ser passado a limpo, mas é preciso que a limpeza alcance a todos, caso contrário a violência continuará existindo, mesmo que as pessoas de bem entreguem todas as suas armas de fogo ou não, apesar dos infratores em nenhum momento terem atendido a este chamado.

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