Uma questão em Direito Penal

Para os acadêmicos do quinto período do curso de Direito:

Um médico legista percebe que o suposto cadáver estendido sobre a bancada de granito do necrotério na verdade está vivo. E com atividade cerebral, pois o dito-cujus, do sexo masculino, dá uma piscadinha pra ele, o legista, que, heterossexual assumido, e dominado por violenta emoção logo após a injusta provocação da vítima, afoga o quase-morto num tanque de formol. Para completar a cena, o fato provoca a morte instantânea, por ataque cardíaco fulminante, de um familiar do morto-vivo-agora-mortinho-da-silva que naquele exato momento adentrava na sala de necrópsia (necropsia, autópsia, autopsia... ao gosto do leitor) para o reconhecimento do apresuntado perdidão. O legista terá cometido:

a) homicídio qualificado, em concurso material, já que matou dois com uma caixa d'água só (caixa d'formol, melhor dizendo).

b) homicídio qualificado, em concurso formal, já que todas as formalidades foram cumpridas pelo agente e pelas vítimas.

c) homicídio qualificado, em concurso formol (já que empregou esse poderoso conservante para matar o morto).

d) homicídio privilegiado, já que, heterossexual assumido que é, o legista interpretou a piscadela do morto-vivo como atentado violento à sua moral.

e) homicídio qualificado-privilegiado, em concurso material-formal-formol, vez que presentes uma qualificadora objetiva (afogamento da vítima) e uma figura subjetiva do homicídio privilegiado (motivo de relevante valor moral), e ainda, controvérsias à parte e de acordo com a doutrina majoritária e jurisprudência brasileiras, em razão da admissão do homicídio qualificado-privilegiado (não hediondo), nessa situação.

f) homicídio impossível em concurso material-formal-formol com homicídio sem culpa, já que a piscadela do morto supostamente vivo poderia ter sido mero ato reflexo tardio, a exemplo do que ocorre quando se corta o rabo de uma lagartixa (ou seria largatixa?...), e o legista hetero-assumido não teve a intenção de matar do coração o parente do de cujus, até porque tratava-se de um belo exemplar do sexo feminino adepto ao batom vermelho carmim, ainda que em luto.

g) homicídio doloroso, em concurso informal, pois tanto o afogamento em formol quanto o ataque cardíaco fulminante doeram muito nas vítimas, e o agente não teve a menor formalidade em praticar o duplo homicídio.

h) homicídio culposo, pois a intenção do agente era conservar as vias respiratórias do morto enchendo-as de formol, e sequer viu a parente do mesmo que chegava naquele exato instante fatal.

i) não houve crime, pois o agente agiu em legítima defesa da honra, da moral, dos bons costumes e do bom funcionamento do necrotério, pois onde é que já se viu um morto supostamente do sexo masculino piscar, ainda mais para um cabra macho de bisturi na mão, e também pelo fato de a parente do dito-de-cujus ter entrado sem permissão na sala reservada ao médico legista no exercício legal de sua profissão (consta dos autos que o legista declarou ter interpretado a atitude da segunda vítima como invasão e até como possível tentativa de homicídio por parte da bela mulher de ares fatais que chegava sem ser anunciada, portando uma pequena bolsa de marca falsificada no interior da qual poderia estar uma arma municiada ou, no mínimo, um spray de pimenta malagueta vencido... e o médico legista confidenciou que se sentiu ameaçado naquele momento, já que sofria de hemorróidas incuráveis, algo inadmissível para um cabra macho que ganha a vida de bisturi na mão).

j) nenhuma das anteriores, pois era tarde de domingo e o médico legista, corintiano roxo não assumido, se encontrava nos fundos do necrotério ouvindo, em seu radinho de pilha, mais uma pelada protagonizada pelo alvinegro desbotado, e, assim, não poderia em hipótese alguma ter matado o morto estendido na bancada de granito no interior da edificação conservada no formol, e também porque o cadáver era sofredor, digo, torcedor do curingão, pois, ao dar entrada no necrotério, trajava uma camisa surrada do timão (tamanho XG, para comportar a foto do Ronalducho estampada "nos peito").

P.S.: pense bem antes de marcar sua opção, nobre acadêmico, pois o médico legista anda à solta desde que sua prisão preventiva não foi decretada pelo delegado que comandou as investigações (este também um corintiano roxo não assumido), e ele, o legista, ainda de bisturi na mão, aparenta estar em estado de profunda depressão, muito contrariado desde aquela fatídica tarde de domingo, quando seu timão(zinho) levou um chocolate (meio amargo) do ECP (Esporte Clube Perneta), o que pode ter feito dele um serial killer em potencial, na eminente iminência de cometer um crime hediondo de natureza habitual-permanente-continuada, triplamente desqualificado, portanto.